segunda-feira, 26 de agosto de 2013

António Borges na doença e no poder


A questão é sensível e polêmica. Mas não pode deixar de ser colocada. Hoje, sabemos que o Governo português contratou para seu principal consultor, com responsabilidade por muitos negócios públicos importantes, nomeadamente na área das privatizações e da renegociação das parcerias público-privadas, um homem com graves problemas de saúde, o economista António Borges, que estava a lutar contra um cancro no pâncreas, diagnosticado em 2010, tendo falecido neste domingo, aos 63 anos de idade.
A questão é saber até que ponto a doença afetou, ou não, o economista António Borges nas suas decisões, nos seus conselhos ao Governo e nas opiniões expressas publicamente, nos últimos meses da sua vida. Ironicamente, António Borges era um defensor acérrimo do programa de austeridade, que está empobrecendo as famílias portuguesas e a economia. Há um livro muito interessante que fala sobre isso, do político inglês David Owen, intitulado precisamente “Na Doença e no Poder”. A partir do caso de António Borges, penso que o tema deveria subir à agenda mediática portuguesa para ser debatido sem preconceitos. http://migre.me/fRhB7

Obs. – António Borges foi um liberal que representou os interesses da alta finança internacional. Mesmo assim, estou triste pela sua morte. E continuo sem compreender como é possível que os senhores do mundo não consigam descobrir a cura para uma doença tão mortal como o câncer.

sábado, 17 de agosto de 2013

Às vezes, o jornalismo é uma vergonha


Só porque é rico e gasta o dinheiro dele como bem entende, um jovem brasileiro, que em 2012 decidiu fixar residência em Portugal, foi atacado de forma indecente no “Jornal Nacional”, principal serviço de jornalismo da TVI, uma das estações privadas do país. Ele foi entrevistado em direto, não porque tivesse sido protagonista de algum episódio de interesse público, mas, simplesmente, porque é rico e gasta muito dinheiro – presumivelmente, em benefício da economia portuguesa. A jornalista Judite de Sousa, uma das profissionais de televisão mais bem pagas de Portugal, manifestou-se indignada por o entrevistado ter gasto 300 mil euros na sua festa de comemoração do 22º aniversário, para a qual convidou a amiga Pamela Anderson.
A norma nº 9 do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses é muito clara: “O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos exceto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende.” O código, no seu ponto nº 1, diz também que “o jornalista deve relatar os fatos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade”. Diz ainda, no ponto nº 3, que “o jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo”.
Ora, não foi nada disto que fez Judite de Sousa durante a sua entrevista ao cidadão brasileiro Lorenzo Carvalho. Na verdade, o que Judite de Sousa e a TVI fizeram foi violar a privacidade de um cidadão, agredindo-o, de forma gratuita, à vista de todos. Uma situação indecente. Às vezes, o jornalismo é uma vergonha. Assista o vídeo: http://migre.me/fMd5t.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A informação biquíni


O “Daily Mirror” é lido pelas pessoas que acham que mandam no país. O “The Guardian” é lido pelas pessoas que acham que deviam ser elas a mandar no país. O “The Times” é lido pelas pessoas que realmente mandam no país. O “Daily Mail” é lido pelas mulheres dos homens que mandam no país. O “Financial Times” é lido pelas pessoas que são donas do país. O “Morning Star” – jornal do Partido Comunist – é lido pelas pessoas que acham que o país devia ser mandado por outro país. E o “Daily Telegraph” é lido pelos que acham que ele é realmente mandado por outro país.
É um exercício interessante, não é? Eu podia aqui exercitar os sucos gástricos e escrever sobre os concorrentes do “Diário de Notícias” ou até sobre o próprio “Diário de Notícias”... Há tanto para dizer sobre os jornais. Os jornais do poder político, os dos juízes e da polícia, os jornais dos empresários e dos intelectuais (ainda há jornais de intelectuais?), os dos professores e pensionistas, etc. Não há mal nenhum nisto se entendermos que cada periódico tem uma clientela com exigências e apetites informativos que criam mercados de leitura muito concretos.
Há até espaço para nichos. O “Diário Económico”, onde trabalhei, e o “Jornal de Negócios”, por exemplo, vendem hoje cada um deles (nem sempre foi assim) menos de quatro mil exemplares por dia em banca, mas exercem uma influência determinante nestes poucos leitores que, por sua vez, têm um peso enorme na opinião que o País forma sobre os assuntos económicos e políticos. Não é por acaso que a reforma do IRC foi tão bem recebida: a agenda dos empresários é esta, não outra. Já a redução do IRS (vital) não encontra defensores tão persistentes e vocais que obriguem a que o assunto se fixe no centro do debate. Os sindicatos poderiam assumir este papel, mas concentram-se nas reivindicações salariais e na defesa de estatutos profissionais muitas vezes caducos – e daí não arredam pé.
Na verdade o que parece escassear são jornais que olhem para o todo e escolham o relevante. Que tratem as notícias não na perspetiva de um grupo de interesses, mas que estejam abertos a todo o universo informativo sem ficarem, digamos, capturados. Não se trata apenas de resumir tudo ao antagonismo superficial entre austeridade e crescimento, mas de enriquecer as análises e as decisões que tomamos – como a eleição de um Governo –, com informação bem investigada capaz de remeter o ruído partidário (a insistência nos swaps) ou o jornalismo mirone (o biquíni de Judite Sousa) para o lugar que merecem. À “Caras”, portanto, o que é da “Caras”. A questão é até simples, como diria sir Humphrey, o secretário permanente do primeiro-ministro Jim Hacker – da série Yes, Prime-minister, de onde tirei a citação inicial: "Se as pessoas não sabem o que estamos a fazer no Governo, não sabem o que estamos a fazer mal no Governo." Não está mal visto.

Autor: André Macedo, jornalista, “Diário de Notícias”, 15-08-2013
http://migre.me/fKNeO

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Livros de papel e digitais vão coexistir


Vivemos num mundo dominado pelas tecnologias e pela comunicação digital, seja em nossas conversas com os outros, seja para transmissão de dados e outros elementos que outrora eram corpos que circulavam no espaço físico. É claro que nem tudo é digital. Nem poderá ser, caso contrário deixaremos de ser humanos.
O avanço do mundo digital, no entanto, entusiasma muitos teóricos, alguns deles talvez em demasia. É o caso daqueles que há muito anunciam o fim dos jornais de papel, das revistas de papel, dos livros de papel. Ao nível dos jornais, por exemplo, a recuperação do “New Tork Times” está aí para desmentir as vozes agoirentas sobre o futuro do jornal impresso – sabendo-se agora que o jornal impresso pode perfeitamente conviver como jornal digital, lhe dando reputação e credibilidade no mercado. O importante é que seus conteúdos tenham a qualidade suficiente que satisfaça a sua comunidade de leitores. 
É certo que em mercados emergentes como o brasileiro, onde toda a gente está comprando smartphones e tablets para ter uma conta no Facebook, o setor digital está em forte crescimento. No caso do mercado editorial, a venda de livros impressos caiu 7,36% em 2012 contra uma subida de 343% da venda de livros digitais, segundo dados revelados pela revista “Época. Porém, mesmo assim, o faturamento dos livros impressos ainda cresceu 3%. Além disso, há quem desvalorize a subida da venda de livros digitais, pois eles, em 2012, não representaram mais do que 0,1% do faturamento das editoras brasileiras.
Dos Estados Unidos, um mercado amadurecido e em recuperação econômica, chegam dados em sentido contrário, que dão esperança ao livro impresso: lá, o crescimento dos livros digitais começa a desacelerar. Em 2012, o faturamento de e-books cresceu 41%, mas tinha sido superior a 100% em anos anteriores. De acordo com analistas, a participação dos livros digitais deverá estabilizar nos 30% do mercado livreiro. Aliás, há uma pesquisa que revela um dado muito interessante: 97% dos compradores de e-books continuam a ler livros de papel. A ler e a comprar.
Resumindo e concluindo, o apocalipse do livro impresso, que até agora era considerado apenas como uma questão de tempo, deverá ficar retido na imaginação de alguns teóricos. E ainda bem. No ecrã mudamos de página com um toque suave, mas é como se estivéssemos a simular uma mudança de página. Além disso, o ecrã não tem cheiro, não tem alma, não tem uma textura que seja única, não tem a identidade que tem o livro, a revista ou o jornal impressos. Assim como os meios de comunicação se complementam, mantendo seus públicos sem se anularem uns aos outros, também o papel e os bits, como suportes de difusão da informação, continuarão a coexistir.