“O
que realmente mudou a minha visão do jornalismo foi a ditadura, com a chegada
da censura. Isso corresponde à minha ida para a revista ‘Veja’, que foi
submetida a uma censura feroz. Foi quando me dei conta da importância do
jornalismo, me dei conta da serventia dele.”
“O
jornalismo é de uma enorme utilidade. No Brasil, então, nem se fala. No Brasil
ainda estão de pé as casas grandes e as senzalas, então, contribuir de alguma
forma para a demolição delas, algo que não enxergo como uma coisa próxima, me
parece ser uma tarefa brilhante, que a mídia brasileira não cumpre.”
“Primeiro,
inventa-se. O caso do tomate é um exemplo clássico, já que foi uma invenção,
uma coisa sem base alguma. O que é grave, pois o jornalista não tem que
inventar. Pior ainda é quando você mente, ou, omite. Olha, eu fundei tudo que
de mais importante aconteceu nesse Brasil em termos de imprensa nos últimos 40
anos, escrevo um livro e, em qual país do mundo um livro deste seria ignorado
pela mídia? Não existe, só aqui! É o único lugar do mundo onde os jornalistas chamam
o patrão de colega. Patrão é patrão, jornalista é jornalista. Quando fui
trabalhar na Itália, com meus 22 anos, existia uma lei, que até hoje perdura,
pela qual o dono não pode ser diretor de Redação.”
“A
Carta Capital é uma tentativa literal de sobrevida, de sobrevivência. Digo-lhe
mais: não tenho interferência alguma na administração da empresa, nenhuma. Faço
o meu trabalho, dirijo a Redação. E, claro, ganho meu salário que, comparado ao
dos rapazes que dirigem redações por ai, sequer falo do pessoal das televisões,
chega a ser ridículo. Trata-se da única coisa que ganho, dividendos nunca vi.”
“Quanto
à chamada classe média, que não é média coisa nenhuma, claro que há influência [da
mídia] sobre ela. Quanto ao povo, não! O povo, apesar de tudo isso [em relação
ao governo], se a eleição fosse hoje a Dilma [Rousseff] ganharia. Apesar do
tomate, apesar dos juros, apesar de tudo, assim como o Lula ganha, e ganhou.
Essa mídia não chega ao povo brasileiro, à senzala. A senzala, eventualmente,
vê o Faustão, uma coisa do tipo, mas o “Jornal Nacional” não. Ela não lê o
editorial do ‘Estadão’, não lê a revista ‘Veja’, diferente da classe A, B, que
acredita naquilo, repete as mesmas frases. Além de tudo, a ofensa diária contra
a língua portuguesa é inominável, as pessoas não sabem falar, orgulham-se de
usar 100 palavras, os próprios jornais. É a regra dentro da ‘Folha de S. Paulo’,
por exemplo: diga tudo com cem palavras. Esta é a situação!”
“Temos
uma mídia que funciona de um lado só e que se destina, em última análise, a um
público muito restrito. Pensemos na imprensa dos países mais democráticos, onde
há jornal de direita, de esquerda, de meia-direita, de meia-esquerda, de todas
as tendências possíveis representadas na mídia. Isso cria um debate natural.
Aqui é tudo de um lado só. Moro num prédio em que sou olhado como um
perigosíssimo subversivo!”
“Se
a ‘The Economist’ escolheu a ‘CartaCapital’ para ser sua parceira no Brasil,
escolheu, não em nome de uma identidade, de uma afinidade ideológica, porque
temos posições diferentes. A escolha foi em função da seriedade e da qualidade.
Eles acham a imprensa brasileira uma tragédia e têm razão. Eles nos escolheram,
mesmo que eu não tenha as mesmas posições da ‘The Economist’, nem a ‘Carta Capital’
tenha essas posições. A ‘Economist’, por exemplo, pede a demissão de [Guido]
Mantega porque mexe com os interesses deles, de quem cujas causas advoga. Se a ‘The
Economist’ fosse brasileira estaria perdida, coitada, porque na Inglaterra
distribui 200 mil exemplares, menos do que distribui no Brasil a revista ‘Isto
É’. Muito menos do que distribui a ‘Época’ e infinitamente menos do que a ‘Veja’.
Os publicitários brasileiros aplicam febrilmente, e safadamente, critérios que
chamam de técnicos. Nós temos uma revista que tira 70 mil exemplares por edição
e, acho, se conseguirmos aplicar um pouco em autopromoção, poderemos sim
multiplicar essa tiragem. Mas, qual é o limite extremo? Dobrar a tiragem? Seria
sucesso total porque praticamos um vernáculo decente, porque não é fácil ler a ‘Carta
Capital’. É uma revista séria, embora às vezes se permita lances de ironia.
Razão pela qual será lida sempre por um público reduzido, como na Inglaterra,
que é um país onde os índices de leitura são superiores aos nossos e você vê
que a ‘The Economist’ distribui 200 mil exemplares.”
“Havia
um contrato com os Civita, na minha época, no qual constava que eles definiam o
tipo de revista [‘Veja’] que queriam, mas depois seriam leitores da revista. A
discussão seria sempre ‘a posteriori’, nunca ‘a priori’, ou seja, não poderiam
influenciar a pauta e coisa e tal. O Victor Civita cumpriu essa cláusula durante
todo o tempo, ele tinha sua falta de escrúpulo, eventualmente, mas, ao mesmo
tempo, era um fazedor, era um homem de realizações, um empresário dedicado.
Quanto aos filhos, um era bastante claro em relação às suas pretensões, mas não
se metia, enquanto o outro, o Roberto, era metidíssimo e calhorda.”
“A
‘Isto É’ tenta sobreviver, mas a editora Três está carregada de dívidas, uma
coisa monstruosa. (…) A ‘Isto É’ tem uma posição ambígua, digamos, não é o
delírio da ‘Veja’, não é a mesma coisa. Mais próxima da ‘Veja’ tem a ‘Época’,
como postura ideológica.”
“[O
processo de imbecilização] é um fenômeno mundial, acho, embora [no Brasil] seja
mais acentuado porque a senzala continua de pé e os moradores da senzala
apresentam uma certa diferença, em termos culturais. Nosso povo é especialmente
ignorante. Não existem povos melhores ou piores e, lhe digo mais, a tragédia é
que o Brasil poderia ser o paraíso terrestre. Acho, sinceramente, porque não
existe no mundo um País tão favorecido pela natureza. A nossa elite é culpada,
sim, muito culpada, pelo atraso que começa nesse ponto, exatamente, na
permanência da Casa Grande e da Senzala, que é a herança de três séculos e meio
de escravidão. Uma herança terrível, visível, tangível, você toca nisso
diariamente. É doloroso porque o Brasil poderia ser o paraíso terrestre. As
nossas circunstâncias históricas sempre foram ruins por causa de uma elite
calhorda, prepotente, feroz, vulgar, ignorante, primária. É isso.”
Mino Carta,
jornalista italo-brasileiro, em entrevista ao jornal “O Povo”, 13-05-2013 (ver
texto integral aqui: http://migre.me/ex2mZ).
Mino Carta, de 79 anos, vive no Brasil desde 1946 e esteve na função e na
direção de grandes meios de comunicação do país, tais como as revistas “Veja”, “Jornal
da Tarde” e “Isto É”. Também fundou a revista “Carta Capital”, de que ainda é
diretor de redação. É autor do livro “O Brasil”, em fase de lançamento.