segunda-feira, 13 de maio de 2013

Mino Carta, a sociedade brasileira e o jornalismo

 

“O que realmente mudou a minha visão do jornalismo foi a ditadura, com a chegada da censura. Isso corresponde à minha ida para a revista ‘Veja’, que foi submetida a uma censura feroz. Foi quando me dei conta da importância do jornalismo, me dei conta da serventia dele.”

“O jornalismo é de uma enorme utilidade. No Brasil, então, nem se fala. No Brasil ainda estão de pé as casas grandes e as senzalas, então, contribuir de alguma forma para a demolição delas, algo que não enxergo como uma coisa próxima, me parece ser uma tarefa brilhante, que a mídia brasileira não cumpre.”

“Primeiro, inventa-se. O caso do tomate é um exemplo clássico, já que foi uma invenção, uma coisa sem base alguma. O que é grave, pois o jornalista não tem que inventar. Pior ainda é quando você mente, ou, omite. Olha, eu fundei tudo que de mais importante aconteceu nesse Brasil em termos de imprensa nos últimos 40 anos, escrevo um livro e, em qual país do mundo um livro deste seria ignorado pela mídia? Não existe, só aqui! É o único lugar do mundo onde os jornalistas chamam o patrão de colega. Patrão é patrão, jornalista é jornalista. Quando fui trabalhar na Itália, com meus 22 anos, existia uma lei, que até hoje perdura, pela qual o dono não pode ser diretor de Redação.”

“A Carta Capital é uma tentativa literal de sobrevida, de sobrevivência. Digo-lhe mais: não tenho interferência alguma na administração da empresa, nenhuma. Faço o meu trabalho, dirijo a Redação. E, claro, ganho meu salário que, comparado ao dos rapazes que dirigem redações por ai, sequer falo do pessoal das televisões, chega a ser ridículo. Trata-se da única coisa que ganho, dividendos nunca vi.”

“Quanto à chamada classe média, que não é média coisa nenhuma, claro que há influência [da mídia] sobre ela. Quanto ao povo, não! O povo, apesar de tudo isso [em relação ao governo], se a eleição fosse hoje a Dilma [Rousseff] ganharia. Apesar do tomate, apesar dos juros, apesar de tudo, assim como o Lula ganha, e ganhou. Essa mídia não chega ao povo brasileiro, à senzala. A senzala, eventualmente, vê o Faustão, uma coisa do tipo, mas o “Jornal Nacional” não. Ela não lê o editorial do ‘Estadão’, não lê a revista ‘Veja’, diferente da classe A, B, que acredita naquilo, repete as mesmas frases. Além de tudo, a ofensa diária contra a língua portuguesa é inominável, as pessoas não sabem falar, orgulham-se de usar 100 palavras, os próprios jornais. É a regra dentro da ‘Folha de S. Paulo’, por exemplo: diga tudo com cem palavras. Esta é a situação!”

“Temos uma mídia que funciona de um lado só e que se destina, em última análise, a um público muito restrito. Pensemos na imprensa dos países mais democráticos, onde há jornal de direita, de esquerda, de meia-direita, de meia-esquerda, de todas as tendências possíveis representadas na mídia. Isso cria um debate natural. Aqui é tudo de um lado só. Moro num prédio em que sou olhado como um perigosíssimo subversivo!”

“Se a ‘The Economist’ escolheu a ‘CartaCapital’ para ser sua parceira no Brasil, escolheu, não em nome de uma identidade, de uma afinidade ideológica, porque temos posições diferentes. A escolha foi em função da seriedade e da qualidade. Eles acham a imprensa brasileira uma tragédia e têm razão. Eles nos escolheram, mesmo que eu não tenha as mesmas posições da ‘The Economist’, nem a ‘Carta Capital’ tenha essas posições. A ‘Economist’, por exemplo, pede a demissão de [Guido] Mantega porque mexe com os interesses deles, de quem cujas causas advoga. Se a ‘The Economist’ fosse brasileira estaria perdida, coitada, porque na Inglaterra distribui 200 mil exemplares, menos do que distribui no Brasil a revista ‘Isto É’. Muito menos do que distribui a ‘Época’ e infinitamente menos do que a ‘Veja’. Os publicitários brasileiros aplicam febrilmente, e safadamente, critérios que chamam de técnicos. Nós temos uma revista que tira 70 mil exemplares por edição e, acho, se conseguirmos aplicar um pouco em autopromoção, poderemos sim multiplicar essa tiragem. Mas, qual é o limite extremo? Dobrar a tiragem? Seria sucesso total porque praticamos um vernáculo decente, porque não é fácil ler a ‘Carta Capital’. É uma revista séria, embora às vezes se permita lances de ironia. Razão pela qual será lida sempre por um público reduzido, como na Inglaterra, que é um país onde os índices de leitura são superiores aos nossos e você vê que a ‘The Economist’ distribui 200 mil exemplares.”

“Havia um contrato com os Civita, na minha época, no qual constava que eles definiam o tipo de revista [‘Veja’] que queriam, mas depois seriam leitores da revista. A discussão seria sempre ‘a posteriori’, nunca ‘a priori’, ou seja, não poderiam influenciar a pauta e coisa e tal. O Victor Civita cumpriu essa cláusula durante todo o tempo, ele tinha sua falta de escrúpulo, eventualmente, mas, ao mesmo tempo, era um fazedor, era um homem de realizações, um empresário dedicado. Quanto aos filhos, um era bastante claro em relação às suas pretensões, mas não se metia, enquanto o outro, o Roberto, era metidíssimo e calhorda.”

“A ‘Isto É’ tenta sobreviver, mas a editora Três está carregada de dívidas, uma coisa monstruosa. (…) A ‘Isto É’ tem uma posição ambígua, digamos, não é o delírio da ‘Veja’, não é a mesma coisa. Mais próxima da ‘Veja’ tem a ‘Época’, como postura ideológica.”

“[O processo de imbecilização] é um fenômeno mundial, acho, embora [no Brasil] seja mais acentuado porque a senzala continua de pé e os moradores da senzala apresentam uma certa diferença, em termos culturais. Nosso povo é especialmente ignorante. Não existem povos melhores ou piores e, lhe digo mais, a tragédia é que o Brasil poderia ser o paraíso terrestre. Acho, sinceramente, porque não existe no mundo um País tão favorecido pela natureza. A nossa elite é culpada, sim, muito culpada, pelo atraso que começa nesse ponto, exatamente, na permanência da Casa Grande e da Senzala, que é a herança de três séculos e meio de escravidão. Uma herança terrível, visível, tangível, você toca nisso diariamente. É doloroso porque o Brasil poderia ser o paraíso terrestre. As nossas circunstâncias históricas sempre foram ruins por causa de uma elite calhorda, prepotente, feroz, vulgar, ignorante, primária. É isso.”

Mino Carta, jornalista italo-brasileiro, em entrevista ao jornal “O Povo”, 13-05-2013 (ver texto integral aqui:  http://migre.me/ex2mZ). Mino Carta, de 79 anos, vive no Brasil desde 1946 e esteve na função e na direção de grandes meios de comunicação do país, tais como as revistas “Veja”, “Jornal da Tarde” e “Isto É”. Também fundou a revista “Carta Capital”, de que ainda é diretor de redação. É autor do livro “O Brasil”, em fase de lançamento.

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