“As
expectativas podem cegar-nos. Sabemos hoje que a percepção das obras de arte
pode até ser condicionada por predisposições biológicas ou fisiológicas
pré-conscientes. Mas o fenomenologista Edmund Husserl [no início do século XX]
aconselhava-nos a pormos de lado as nossas disposições naturais. Não
conseguimos colocar-nos perante uma obra de arte totalmente nus, mas podemos
rejeitar ao máximo as ideias pré-concebidas. Devemos abrir-nos a todas as
possibilidades.”
“A arte que
me interessa é aquela que nunca chego a compreender totalmente. Algumas obras
de Goya, por exemplo, são tão fortes que me é quase insuportável olhar para
elas. Cada pessoa tem um grau diferente de estímulo e de tolerância. Mas a arte
tem de perturbar e de chocar.”
“É um
disparate defendermos hierarquias artísticas muito rígidas, porque as obras de
arte estão vivas ou renascem em cada novo espectador, leitor ou ouvinte. O peso
de uma aprovação pré-estabelecida pode condicionar-nos a tal ponto que deixamos
de conseguir ver a obra. É o que acontece, por exemplo, com a Mona Lisa, que
foi esmagada pela história da sua recepção e é ofuscada pela multidão que se
acumula à sua frente a toda a hora. Até certo ponto, as pessoas querem é
registar o facto de terem visto determinado quadro e, por isso, nos museus,
fotografam-no, dispensando mesmo olharem para ele. É também por isso
que se lê tanta má literatura ou se vê tanto mau cinema. Aderir a uma proposta
só porque muitos outros a consomem é uma experiência social ou cultural, mas
não significa um verdadeiro contacto com a arte. Num certo sentido, é uma
espécie de placebo.”
“Há pouco
tempo, enquanto escrevia sobre as naturezas mortas do pintor italiano Giorgio
Morandi, experimentei observar durante quinze minutos uma garrafa de água com
gás. Primeiro, o rótulo começou a perder nitidez. Depois, surgiram múltiplos
pormenores, como os cambiantes de intensidade da luz ou de espessura do vidro
ou os efeitos visuais da condensação da água. A visão foi-se alterando devido à
intensidade e à duração do olhar, o que também acontece perante uma obra de
arte. Quanto mais rica for a obra de arte, maior será a surpresa do nosso olhar
e a sua ressonância, ao longo do tempo, dentro de nós.”
Siri
Hustvedt, escritora norte-americana, “Sol”, 16-11-2013
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