Portugal
deve ser o único país do mundo civilizado onde os serviços de notícias, ou telejornais,
das televisões em sinal aberto têm hora para começar, mas não têm hora para
terminar. Sejam na televisão pública ou nas televisões privadas.
No
pequeno mercado português dos “media”, a “informação televisiva” é, muitas vezes, sinónimo
de emissões intermináveis de relatos vazios ou inconsequentes sobre o nada e de
perguntas muitas vezes mal formuladas e respostas sem nexo de protagonistas que não têm nada a acrescentar sobre o acontecimento. Foi esta informação sem conteúdo
que ganhou estatuto e interesse entre os editores de informação, de tal modo
que se transformou em motivo de guerrilha entre canais pela conquista de audiências.
Em tempos, até a hora de início dos três telejornais das 20h00 foi motivo de grande
polémica, tendo sido necessária a intervenção de organismo regulador, porque,
simplesmente, havia canais que tinham prazer em enganar os telespectadores,
iniciando o serviço de notícias antes das 20h00 agendadas só para agarrar o
público que já estava a ver a novela das 19h00. Uma concorrência absolutamente
patética.
A
RTP1, a RTP2, a SIC e a TVI não são canais de informação, nem as suas redações estão
preparadas para trabalhar com as exigências técnicas e profissionais dos canais
de notícias, mas, muitas vezes, atuam como se fossem canais de informação,
embora sem que se vislumbre algum critério editorial a não ser o critério das
imagens espetaculares, propagandeadas por “teasers” sucessivos antes dos
intervalos publicitários para prender ao aparelho o incauto do telespectador –
como se as notícias fossem objetos de consumo. Deste modo, degrada-se a
qualidade do jornalismo e a informação televisiva perde credibilidade e importância
social. Curiosamente, essa degradação agrada aos vários poderes, em particular
ao poder político. Mas isso é outra conversa.
Se
este cenário pode ser assistido em dias normais – em que as televisões desinformam
o telespectador através da promoção da selva mediática, em vez de orientá-lo com
o essencial da informação mais importante do dia – tudo piora nos dias de
cobertura de grandes acontecimentos. Foi o que aconteceu por estes dias, com a notícia
da morte do futebolista Eusébio e respetiva cobertura televisiva das reações, do velório e
das cerimónias fúnebres do antigo jogador de Portugal e do Benfica. Foram diretos sobre diretos, com muitas
lágrimas, muita comoção e muitas opiniões sem interesse nenhum, ou repetições de imagens e declarações que
os portugueses puderam ver em doses cavalares ao longo de horas e horas,
fazendo de Eusébio um homem único sem o qual Portugal não teria existido. E transformando todos os canais numa espécie de “Benfica TV”. A
verdade é que cobertura da morte de Eusébio construiu uma realidade mediática própria ao ter feito desaparecer das televisões toda
a atualidade informativa que não fosse sobre o morto. E, no entanto, mesmo Portugal estando de luto, a vida continuou, em todas as suas vertentes, a chuva não deixou de cair e o mundo avançou.
Podemos
dizer que, mais uma vez, os editores televisivos perderam a noção da realidade,
deixaram-se arrastar pela emoção do acontecimento e perderam a capacidade de
editar o manancial de informação de que dispunham sobre Eusébio, em função de imagens,
notícias, entrevistas, reportagens e outros conteúdos. Ora, quando um meio de
comunicação perde a capacidade de editar deixa de cumprir o seu papel na
sociedade. Editar dá muito trabalho e implica capacidade de decisão, bom gosto, sobriedade, objetividade e muito bom senso. Editar significa
separar o trigo do joio, separar o que interessa do que não interessa, em suma,
editar significa hierarquizar a informação segundo o posicionamento editorial
de cada meio de comunicação, oferecendo ao público o essencial para sua
informação. Doutro modo, não estamos a orientar o público e a facilitar a compreensão da realidade, correndo o risco de desinformar, intoxicar e confundir o
público.
Mesmo
em situações de grandes acontecimentos de interesse público, um telejornal de um canal generalista
não pode deixar de ser um telejornal, oferecendo ao público toda a informação
do dia. E por muito grande que seja um acontecimento, só muito raramente ele poderá
ser susceptível de alterar o tempo de duração de um telejornal. De resto, em ocasições muito especiais, há sempre a
possibilidade de ser aberta uma emissão especial, com uma duração temporal previamente
fixada, para que o público possa saber com o que vai contar na sua televisão. E
assim ganhariam todos. O canal de televisão ganharia credibilidade e o telespectador
sentir-se-ia respeitado.
2 comentários:
"fazendo de Eusébio um homem único sem o qual Portugal não teria existido"
Para quem quer escrever um texto com conteúdo, esta opinião, no meu entender, é simplesmente patética. Emite uma opinião que sinceramente era escusada por ser de carácter jocoso, e que em nada vem acrescentar á conclusão que queres tirar.
"Mesmo em situações de grandes acontecimentos de interesse público, um telejornal de um canal generalista não pode deixar de ser um telejornal, oferecendo ao público toda a informação do dia"
Isso está escrito onde mesmo? Algum código deontológico que eu desconheça? Alguma manual de jornalismo?
É que eu desconheço tal regra, e gostaria de ser elucidado.
Obg
Muito bem. Parabéns pelo texto. Completamente de acordo!!
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