Uma coisa são os berros do povo nas ruas, geralmente inconsequentes, ou as greves gerais convocadas pelas vetustas centrais sindicais. Outra coisa são os protestos e as vaias num congresso de autarcas eleitos pelo povo. Por isso, as vaias com que os presidentes de Junta brindaram o ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, no congresso da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), em Portimão – por estarem contra a extinção de freguesias –, são muito mais do que uns berros esganiçados do povo anónimo. Pela primeira vez na legislatura, o Governo de Pedro Passos Coelho foi vaiado numa cerimónia institucional, ao ponto de um dos seus ministros, por sinal, um dos mais influentes, ter sido forçado a interromper a sua intervenção.
O Governo português tem entre mãos a tarefa hercúlea de pagar as dívidas da governação socialista dos últimos 15 anos – apenas com um interlúdio entre 2002 e 2005 –, fazer a reforma da administração pública e recuperar a economia do País. Mas precisa que a Europa também recupere do pesadelo financeiro em que vive.
A opinião pública está consciente disso e tem estado disponível para o sacrifício. Mas se não aparecer uma luz ao fundo do túnel, a paciência esgota-se. Daí que todos sejam necessários para este combate em nome da regeneração do País – inclusive os autarcas das freguesias, que são o elo mais fraco do poder local democrático.
Neste caso, parece-me que o Governo comprou uma guerra inútil. A extinção das freguesias, alegadamente proposta pelos tecnocratas do FMI (porque o Banco Central Europeu e a União Europeia são peças secundárias na chamada "troika"...), não vai diminuir em nada a despesa pública de Portugal. Por uma razão elementar: a generalidade dos autarcas das freguesias trabalha graciosamente pelas suas comunidades e as freguesias não têm dívidas, como sublinhou o líder da ANAFRE. Por isso, não sei onde é que o Governo vai poupar dinheiro com a extinção das freguesias mais pequenas, que são aqueles cujo presidente da Junta nem é remunerado.
O plano de extinção de freguesias reforça a ideia já instalada na opinião pública segundo a qual as medidas de austeridade não atingem todos por igual. As freguesias, aliás, são um dos pilares da diversidade cultural e da coesão social, em especial nas terras menos habitadas do interior. Ora, foi o pulsar do País que começou a manifestar-se em todo o seu esplendor no congresso dos presidentes de junta.
Uma grande reforma administrativa motivada pela intervenção do FMI implicaria introduzir no debate uma proposta que contribuisse, de facto, para reduzir a despesa pública. Mas para isso seria necessário pensar e produzir pensamento. Não seria difícil encontrar uma solução. Bastaria acabar, de facto, com todas as juntas de freguesia, transformando-as em extensões das respectivas câmaras municipais. O que aumentaria o número de serviços prestados às populações em cada localidade. E teria o condão de eliminar os funcionários públicos excedentes nas autarquias e nas empresas municipais. E ainda acabaria com a politiquice paroquial.