sábado, 23 de novembro de 2013

O jornalismo e as bestas negras


Este é um “post” sobre jornalismo, "bestas negras" e organização das redações, a partir do jornalismo desportivo português. Mas poderia ser a partir do jornalismo político, onde acontece o mesmo.
Durante a última semana, enquanto a seleção de Portugal conseguia a sua qualificação para o Mundial de futebol Brasil 2014 – com uma brilhante vitória sobre a Suécia, por 3-2, com uma exibição de gala de Cristiano Ronaldo, o melhor jogador do mundo –, os jornais desportivos, ao lançarem a 10ª jornada da Liga Portuguesa, falaram no Sporting Clube de Braga como "a besta negra" do Benfica. Isto para dizerem que, nos últimos anos, os bracarenses têm conseguido bons resultados em jogos com o Benfica. O Benfica-Sporting de Braga terminou com uma vitória benfiquista por 1-0 e parece que não houve “besta negra” em Lisboa. Ao contrário do que aconteceria no Porto. Segundo a edição digital do jornal "Record", o Nacional da Madeira, que na noite deste sábado, dia 23, empatou no Estádio do Dragão, também é a “besta negra” do FC Porto, o tricampeão português. Só porque o clube madeirense ousou ir ao Porto travar a caminhada triunfal do clube de Jorge Nuno Pinto da Costa.
Os dois exemplos apontados deixam nítido que, para a imprensa desportiva portuguesa, as equipas pequenas, ou menos poderosas, não empatam ou não ganham os jogos com as equipas grandes por terem feito por isso, mas porque são "bestas negras". Isto tem um significado muito claro: para os jornalistas desportivos portugueses, sejam da rádio, da televisão, dos jornais ou da Internet, o sujeito é sempre o clube mais forte, e toda a narrativa é construída em função desse posicionamento. Coitadas das equipas pequenas, sempre maltratadas, sempre a “roubarem” pontos ou vitórias a quem não deveriam… Os seus feitos raramente são elogiados ou valorizados. Na maioria das vezes, são relatados como ameaças ao caminho vitorioso dos mais fortes e mais poderosos.
A organização das redações dos meios de comunicação especializados em futebol baseada em editorias para os grandes clubes, agrupando os jornalistas que "fazem" o Sporting Clube de Portugal, os que "fazem" o FC Porto e os que "fazem" o Benfica, talvez contribua para esta situação. Ao longo do tempo criam-se laços, vícios e dependências mútuas entre os jornalistas e as fontes dos clubes, e seus dirigentes, que geram um clima potencialmente pernicioso para a qualidade do jornalismo. 
Deixo uma dica para as direções editoriais. Se os jornalistas que "fazem" o Sporting fossem "fazer" os jogos do FC Porto, se os jornalistas que "fazem" o Benfica fossem "fazer" os jogos do FC Porto e se os jornalistas que "fazem" o FC Porto fossem "fazer" os jogos do Sporting, ou seja, se todos os jornalistas rodassem continuamente fazendo trabalhos jornalísticos em todos os clubes, o seu distanciamento produziria, certamente, um jornalismo de maior qualidade, do qual todos beneficiariam, inclusive os clubes grandes, em função da maior exigência que o trabalho de uma imprensa não tão engajada com os clubes iria implicar. Deste modo, os meios de comunicação prestigiariam o jornalismo e seriam, certamente, muito mais respeitados por todos os clubes. Por outro lado, talvez os clubes mais pequenos que "roubam" pontos aos clubes grandes deixassem de ser as "bestas negras" do futebol português.