sexta-feira, 29 de abril de 2011

O público e o privado numa campanha política


“Passos Coelho fez bem a capa da ‘Flash’, era uma maneira de entrar bem determinado segmento de eleitorado. O problema foi a exposição em demasia que se seguiu. Tudo o que é demais enjoa e torna-se uma arma de arremesso do ‘spinning’ PS, que agarrou nesse tema para tentar passar a campanha do essencial para o acessório. O acessório é a família e a vida pessoal do líder do PSD, o essencial são os seis anos de governação de José Sócrates. Logo, o PSD desfocou o campo de acção na comunicação política que deve privilegiar.”
“A presença familiar [numa campanha eleitoral] deve ser o mais natural possível. As pessoas gostam de conhecer a família, que é sempre uma âncora, de quem os vai dirigir. A família deve estar presente apenas quando seja essencial nos momentos mais relevantes para os candidatos. E dentro dos critérios por ele escolhidos e não por um qualquer “marqueteiro” sem história relevante.”
“A política conta histórias e a história de uma família harmoniosa, feliz e que aparece nos momentos certos é um bom momento de comunicação política. Em Portugal, recordo sempre o cuidado de Cavaco Silva, acompanhado com a mulher da sua vida e a produção nas primeiras presidenciais ganhas, com os netos na capa do ‘Expresso’. Jogou a seu favor: o de um homem duro, rigoroso, mas feliz na sua intimidade.”
[FONTE: Rui Calafate, director-geral da Special One, “Meios & Publicidade”, 27-04-2011]

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Cavaco Silva e o Facebook


A guerrilha política, mesmo de segunda linha, também se faz no Facebook. Para os jornais tradicionais, ainda é uma novidade. Daí que o desabafo mais desbocado seja facilmente elevado à condição de notícia digna de jornal. O socialista José Lello usou a sua página no Facebook para chamar “foleiro” ao Presidente da República, Cavaco Silva. António Nogueira Leite, conselheiro nacional do PSD, respondeu, considerando Lello um “ciber-nabo”. É que o dirigente socialista confessara que a mensagem contra Cavaco não seria para tornar pública
O certo é que a polémica saltou das páginas do Facebook para os meios de comunicação tradicionais. Estamos num tempo ainda de transição, mas em que cada cidadão já não precisa de esperar pelo papel mediador dos meios de comunicação tradicionais para tornar pública sua voz, tenha ou não tenha interesse público. Em virtude das grandes mudanças tecnológicas, políticos, instituições, empresas ou cidadãos anónimos transformaram-se em agentes activos da produção informativa e opinativa.
Donde, o facto de Cavaco Silva comunicar através do Facebook, onde tem mais de 78 mil seguidores, não é de estranhar. A comunicação pelo Facebook – ainda que não tenha nada a ver com a natureza austera da personalidade do Presidente – também é criticada porque, dessa forma, os meios de comunicação tradicionais perdem a liderança e o exclusivo na transmissão da mensagem e, portanto, perdem o seu poder de mediação, neste caso entre o agente político Cavaco Silva e a população. É também esta disseminação dos agentes de difusão de notícias e opiniões – uma das grandes revoluções do nosso tempo – que está a baralhar o jornalismo tradicional.
Cavaco Silva foi, aliás, um dos primeiros responsáveis políticos em Portugal a usar as redes sociais para comunicar com o exterior, nomeadamente o Twitter. E comunicar pelo Facebook é a mesma coisa que comunicar pela rádio, pela televisão ou pela imprensa. Dirão que nem todos têm Facebook, ou, tendo Facebook, não seguem Cavaco Silva. Pois não. Assim como nem todos vêem televisão, nem todos ouvem rádio, nem todos lêem jornais.
A questão é que, mesmo comunicando pelo Facebook, Cavaco Silva consegue levar a sua mensagem a todos os meios de comunicação. Porque, neste caso, o que é importante e decisivo não é o meio. O importante e decisivo é a mensagem. A mensagem do Presidente.
Isto não quer dizer, porém, que a situação de grave crise económica, social e política em que Portugal está mergulhado não devesse ter levado Cavaco Silva a utilizar outros meios, outra densidade na mensagem e outro tempo para falar ao País. Porque, para um Presidente da República de Portugal, cujos poderes são limitados, a palavra é talvez a sua arma mais importante. E a verdade é que, nestes tempos de grandes dúvidas e incertezas, a palavra de Belém não tem sido o bálsamo de que os portugueses estão a precisar. Mas isso é outra questão.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Lições de marketing estratégico contemporâneo


No marketing estratégico, aquelas que foram as estratégias de êxito do passado, provavelmente, não terão sucesso no futuro. As mudanças económicas, tecnológicas e socioculturais em curso à escala planetária criam oportunidades para os inovadores e constituem uma séria ameaça para aqueles que ignoram essas mudanças. Os mercados, quer os mais pequenos, quer os maiores, vão tornar-se globais. O cliente é o centro de tudo. E o marketing é demasiadamente importante para ficar entregue apenas ao pessoal de marketing.

domingo, 24 de abril de 2011

Consultores de comunicação e fluência cultural


“Mais do que técnicas, os consultores ‘nativos’ têm a vantagem da fluência cultural, conhecimento dos códigos e gíria locais. Dificilmente um guru de ‘spin’ americano ou europeu teria o gingado ou o ouvido para as nuances e timbres da política de Guayaquil [no Equador] ou Salta [na Argentina], muito menos o tempo e paciência para dominá-las.” Quem o diz é Mac Margolis, colunista de “O Estado de S. Paulo” e correspondente da “Newsweek” no Brasil, num artigo sobre “O vantajoso mercado do marketing político”. E destaco aquela passagem do texto de Mac Margolis a propósito da surpreendente contratação de Alessandra Augusta, a "marqueteira" brasileira do PSD de Pedro Passos Coelho. A questão, aliás, já tinha sido levantada por Rui Calafate, numa análise certeira que se pode ler aqui. Calafate que fora o primeiro em Portugal a dar a notícia dessa contratação, confirmando a importância dos 'bloggers' no espaço público mediático.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Privatização da RTP. Um erro estratégico


O secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, defende a privatização da RTP. Caso se confirmasse esse plano, seria um erro estratégico. É caso para perguntar o que é que as cabeças iluminantes que dão estas ideias aos responsáveis políticos sabem de comunicação social, de meios de comunicação de massas e de serviço público de televisão.
O PSD, através do antigo ministro Nuno Morais Sarmento, até tem um bom histórico nesta matéria, ao ter conseguido reestruturar a televisão pública, diminuindo drasticamente os prejuízos e lançando as bases para uma inteligente e racional partilha de recursos entre a televisão e a rádio públicas. É estranho que essas ideias de 2002-2004 não sejam retomadas e aprofundadas agora.
Portugal precisa de um bom serviço público de televisão a custar muito menos do que custa agora. Precisamos de um bom canal público que faça uma boa televisão generalista, mas que não concorra com as televisões privadas.Não precisamos do Estado para nos dar mais do mesmo.
Uma televisão pública não pode funcionar, porém, tendo várias equipas de reportagem nas delegações espalhadas pelo País formadas por três elementos, sendo um deles coordenador dos outros dois. Nem pode ter tantas prateleiras douradas em gabinetes visíveis e invisíveis que estejam ocupadas por gente que ganha muito e não faz nada. Nem pode ter profissionais a ganhar mais do que o primeiro-ministro ou o Presidente da República.
Além disso, não precisamos da RTP 2, não precisamos da RTP Madeira, não precisamos da RTP Açores, não precisamos da RTPN, nem precisamos da RTP África, nem da RTP Memória. Mas, provavelmente, precisamos de uma boa RTP Internacional, como grande canal da lusofonia, e de uma RTP Cultura, para promover a cultura portuguesa de todo o país em todas as suas vertentes.
Ora, isto não teria nada a ver com um serviço público dominado pelos saltos do João Baião e palhaçadas similiares, que nos mostram de manhã até à noite, como se a RTP fosse um canal privado que dá ao público aquilo que o público quer ver... Por isso, valia a pena que Miguel Relvas fosse estudar melhor o dossiê RTP. E que o enquadrasse numa perspectiva global da comunicação social pública, onde teria de incluir a agência de notícias Lusa, que também deveria integrar o universo RTP-RDP, com ganhos para o erário público.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Almerindo Marques. Memórias da RTP


“[Na RTP] ficou provado que a gestão é uma ciência universal. Era necessário organizar os recursos para ter resultados e não foi fácil: não sou capaz de avaliar o valor acrescentado introduzido por uma senhora que é mais bonita ou tem mais mamas do que a outra e por isso ganha mais.”
“Nunca despedi ninguém a não ser por questões disciplinares. O que fizemos foram acordos de rescisão. Um trabalhador que não trabalha não se respeita a si próprio. Na RTP havia muita gente que fazia tudo menos trabalhar – roubava, manobrava… Havia um senhor que tinha um programa que abusivamente registou na Sociedade Portuguesa de Autores como da sua autoria (era uma adaptação de França) e registou-se como apresentador exclusivo. Recebia ‘royalties’ do programa, mas quem pagava os custos era a RTP. Chamei-o e disse-lhe que tinha poucos dias para sair pela porta grande, com os mesmos direitos que os outros. O segredo ficava entre nós os dois. Chamou-me filho da puta.”
“Se não tivesse vindo para a Estradas de Portugal, [José Rodrigues dos Santos] tinha ido para a rua, a confirmar-se o que estava no processo disciplinar. As pessoas têm medo dele. Fiz-lhe um processo disciplinar e ele percebeu imediatamente que o ia despedir. Por isso, movimentou montes e vales, incluindo a embaixada dos EUA, que fez tudo para ele não sair. Sabem dizer-me por que é que é sempre ele que aparece nas guerras no estrangeiro?”
“O primeiro-ministro pediu-me para decidir em 48 horas. E o José Rodrigues dos Santos, bem avisado, quando começou a contagem decrescente para o processo disciplinar, meteu férias, atrasando a decisão (conseguiu autorização de um administrador). Teria saneado de forma muito relevante a RTP se o tivesse posto na rua.”
Almerindo Marques, presidente da RTP, entre 2002 e 2007, “Sábado”, 20-04-2011

sábado, 16 de abril de 2011

Barack Obama e o "big brother" digital


Já temos muitos números na vida real. Agora, Barack Obama quer que tenhamos um número na vida digital, para acedermos à Internet. Certamente para acabar com o que resta da nossa liberdade, designadamente a liberdade de expressão. Eis o "Big Brother" em todo o seu esplendor, tal como George Orwell prenunciou na obra "1984", um livro extraordinário pelo facto de ter sido escrito em 1949...

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A televisão matinal, segundo Herman José


Seja pública ou seja privada, eis a televisão portuguesa que se faz todas as manhãs, segundo uma rábula de Herman José, que, depois da SIC, reapareceu na RTP. Ver aqui. A questão é que a coisa não anda muito longe da realidade. Apesar disto, ainda ouvimos políticos a lançar propostas de privatização da televisão pública... 

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O “Ípsilon”. Um mediador cultural do nosso tempo



"No início a cena está vazia. Os intérpretes demorarão a chegar ao palco, vindos da plateia, onde estavam sentados, iguais aos espectadores. Despirão as roupas casuais que trazem e embrulhar-se-ão em puídos cobertores laranja. E ficarão por ali, a deambular, à espera que algo aconteça. À espera que seja não o tempo coreográfico, mas o tempo emocional a ditar as regras, as frases, os movimentos e a estrutura.”
Tiago Bartolomeu Costa, “Ípsilon”, 17-12-2010

Numa imprensa diária portuguesa em que predomina uma atitude passiva em relação à informação cultural, sendo notório que a maior parte dos jornais generalistas parecem estar subordinados à agenda de eventos e aos desígnios das indústrias culturais, não se assumindo como agentes impulsionadores da notícia, mas como meros difusores das actividades e das ideias programadas por artistas ou organizações, o suplemento semanal “Ípsilon”, do “Público”, é a excepção, apresentando-se como um produto de jornalismo cultural de qualidade, com notícias, reportagens, entrevistas e opiniões que revelam capacidade de iniciativa e de captação do pulsar cultural do mundo contemporâneo, e que fazem da publicação um mediador cultural do “nosso tempo” – na verdadeira acepção desta expressão.
As páginas do “Ípsilon” respiram as dúvidas e as contradições que marcam a pós-modernidade e as suas manifestações artísticas dominantes, assim como a relação interactiva entre a arte e o espectador. E expressam claramente o domínio dos EUA nas indústrias culturais, assim como ilustram a decadência europeia e, inclusive, a emergência do Brasil como pólo económico e cultural do século XXI. 

UM ESPELHO DO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Em três edições consecutivas, que analisei, no último mês de Dezembro, o “Ípsilon” apresentou capas tematicamente distintas, mas reveladoras de um espelho do mundo contemporâneo. Na edição de 17 de Dezembro de 2010, é destacada uma peça de dança, do coreógrafo belga Alain Platel, em que os espectadores são desafiados a participar no espectáculo, traduzindo, afinal, o convite à proximidade e à interactividade de que a arte contemporânea é portadora, em absoluto contraste com a relação sacralizada entre as obras de arte e o espectador que marcou a arte moderna.
No dia 24, é destacado o novo álbum do “rapper” norte-americano Kanye West, considerado o melhor disco do artista e da música “hip-hop” de 2010 (embora, contraditoriamente, se refira também que “é irrelevante se este é o melhor álbum” do artista, sendo antes decisivo que tenha sido “o álbum em que ele atinge o cume em apoteose”…), cuja popularidade foi “ampliada via Twitter”, no ano “da afirmação definitiva das redes sociais”, dando-nos uma noção da força enorme da Internet como meio contemporâneo de difusão planetária das artes e dos artistas.
No dia 31, a capa do “Ípsilon” mostra um jovem a protestar perante um friso de polícias armados até aos dentes, “no fim de um ano que anuncia outro ainda pior”, para ilustrar uma análise aos movimentos revolucionários contemporâneos, que eclodiram em 2010 numa Europa fustigada pela crise, e que foram o ponto de partida para um artigo sobre uma música do britânico Derek Meins, que nos fala de uma geração farta da crise financeira e da ausência de respostas políticas adequadas.

A MEDIAÇÃO NUMA SOCIEDADE DE MASSAS
Como meio do jornalismo cultural, o “Ípsilon” cumpre uma instância de mediação numa sociedade de massas, sendo importante para seduzir o espectador não especialista, dando-lhe instrumentos que facilitem o seu contacto com as manifestações culturais. O jornalista, como mediador, deve ser aquele que é capaz de revelar de forma simples a complexidade de relações a que cada acontecimento está ligado. Na área da cultura, este trabalho, de grande importância social, interessa às indústrias culturais, em particular às instituições que vivem do mecenato, para quem é decisivo multiplicar os públicos através da visibilidade mediática, provando assim que são um bom investimento para qualquer mecenas, mas também interessa à indústrias cinematográfica, discográfica e livreira, que vivem da cultura à escala internacional como se de outra indústria qualquer se tratasse. É a era da cultura de massas em todo o seu esplendor, que se caracteriza pela transmissão em massa, através dos grandes meios de comunicação, de uma mensagem homogénea para públicos que, embora possam ser heterogéneos, possuem a mesma identidade de consumo de determinados produtos tidos como universais.

INFORMAÇÃO E ENQUADRAMENTO
Nesse contexto, o “Ípsilon” cumpre esse papel mediador, informando os leitores e dando-lhes o enquadramento sobre as obras de arte (o filme, o livro, a exposição, a peça de teatro ou de dança, etc.), praticando um jornalismo de carácter reflexivo, que é uma das marcas de sempre do jornalismo cultural, caracterizando-se pela sua análise crítica, que se traduz numa mediação que é feita “a priori” (antes de um concerto, por exemplo) e “a posteriori” (depois do concerto). Essa mediação, que pode ser positiva ou negativa, serve para ajudar a orientar o consumidor cultural. Com diz Edgar Morin, no livro “A Cabeça Bem Feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento” (2001), a função do jornalismo cultural é revelar de forma clara e acessível “que, em toda a grande obra, de literatura, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana”.
Actualmente, o jornalismo cultural – cuja função social é fazer chegar a muitos o que estava restrito a poucos – tem de lidar com novos paradigmas que ameaçam a sua identidade histórica: por um lado, o culto às celebridades começou lentamente a substituir o debate de ideias, as críticas nas páginas culturais e a exploração de novas tendências artísticas, dominando as capas e os destaques; por outro lado, devido ao impacto social e cultural da Internet, o jornalista tem, por sua vez, de conviver com os criadores de conteúdos “online”, que muitas vezes são os próprios artistas, como fez Kanye West, para amplificar o seu novo disco através da rede social Twitter.

CARÁCTER REFLEXIVO E CAPACIDADE DE INICIATIVA
No “Ípsilon”, o carácter reflexivo e a capacidade de iniciativa são muito evidentes. O envio de um jornalista ao estrangeiro, por exemplo, sinaliza a importância que o jornal dá ao artista entrevistado e à sua obra. Nas edições avaliadas nesta investigação, o “Ípsilon” enviou jornalistas a Paris, para entrevistar o coreógrafo Alain Platel e o encenador Patrice Chéreau; à Alemanha, para entrevistar o escritor Günter Grass e o realizador francês Sylvain Chomet; ao Brasil, para entrevistar o músico Tony Belloto, no Rio de Janeiro, e o fundador do Teatro Oficina, Zé Celso, em São Paulo; e a Espanha, para uma reportagem sobre a exposição “Federico Fellini: O Circo das Ilusões”, no CaixaForum de Madrid.
Curiosamente, não há registo de enviados aos Estados Unidos, apesar de terem sido publicados trabalhos ocupando uma página inteira ou mais sobre música norte-americana (sobre Kanye West, Dave Sitek e as bandas MGMT e Menomena), sobre os livros de Saul Bellow ou a experiência performativa sobre a celebridade, de Joaquin Phoenix e Casey Afflecck. O que pode indiciar uma acção sofisticada das fontes de informação das indústrias culturais americanas.
Com um grafismo atraente, o “Ípsilon” prima também pelo seu carácter cosmopolita, urbano e pós-moderno, abrindo as suas páginas tanto à música erudita como à cultura popular – sendo de realçar, por exemplo, o destaque dado à emergência da cantora de jazz portuguesa Sara Serpa em Nova Iorque e à edição das “Biografias do Fado”, em “mais um passo no longo caminho da Unesco”, tendo em vista a classificação deste género musical português como Património da Humanidade. Ou à música erudita (entrevista a Pedro Burmester) e ao cinema independente distribuído por Luís Apolinário, que considera que o filme “Lola”, com os seus cinco mil espectadores, “correu muito bem”. Sem espaço no “Ípsilon” parece ficar o museu moderno, com as suas obras de arte tidas como sagradas, que só podemos olhar e contemplar. Afinal, o museu moderno contenta-se com a elite. Não precisa da massa de público que lê jornais. Essa massa cai na rede das indústrias culturais.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Paul Moreira e as novas censuras


Nos meios de comunicação, a censura do corte, através do lápis azul, como no tempo da ditadura de Oliveira Salazar, já pertence à história. Hoje, a informação combate-se com informação. Paul Moreira, jornalista e investigador francês, luso-descendente, escreveu o livro “As Novas Censuras – Nos Bastidores da Manipulação da Informação” (edição portuguesa das Publicações Europa-America, 2088), onde dá a táctica aos assessores mediáticos da actualidade: “Se a verdade aparecer, há que fazer pressão sobre os mediadores capazes de a substituir... Se a verdade for difundida pelos ‘media’, há que controlar o impacte sobre a opinião e tudo fazer para que não seja ouvida e, sobretudo, para que não crie uma emoção popular."
Como não é possível esconder, há que fazer o controlo da informação no controlo da memória. “Todo o trabalho dos gabinetes de relações públicas, dos conselheiros de comunicação, é um trabalho de gestão do que vai ficar retido na memória, e de gestão da emoção pública, porque sabemos que o mundo muda cada vez que a emoção pública ultrapassa um certo nível”, afirma Paul Moreira, numa entrevista ao jornalista José Miguel Sardo (cf. “Diário de Notícias”, 30-07-2007).
Por isso, cabe ao jornalismo “confirmar a veracidade do espectáculo que nos é apresentado, seja a reputação ou a imagem de uma empresa, de uma instituição ou de um homem político”. Diz Paul Moreira: “O jornalista faz a diferença de cada vez que cria emoção pública através de um bom trabalho de investigação apoiado por uma sociedade civil eficaz.”

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A informação radiofónica em directo. O caso da TSF


O arranque das emissões da rádio TSF – Rádio Jornal, na manhã de 29 de Fevereiro de 1988, constituiu um momento “revolucionário” e “único” na história da rádio e da comunicação social portuguesa, tendo suscitado um enorme interesse e curiosidade, em função daquilo que a estação, fundada por uma equipa de jornalistas experientes, liderada por Emídio Rangel, trouxe de realmente novo ao jornalismo radiofónico nacional: a informação em directo.
A TSF fez a realidade acontecer. E foi tão importante para a transformação operada do jornalismo radiofónico português, a partir da segunda metade da década de 1980, que alguns especialistas em jornalismo consideram mesmo que a estação radiofónica, que começou como rádio local até conseguir emitir para todo o País, foi “a maior revolução na comunicação social depois do 25 de Abril de 1974”.
Na segunda metade da década de 1980, Portugal vivia num regime democrático perfeitamente consolidado, com os primeiros Governos de maioria absoluta de um só partido (1987-1995), liderados por Aníbal Cavaco Silva (PSD), com uma economia dando sinais emergentes, animada pela estabilidade política e pela adesão à Comunidade Económica Europeia (1986), e com um tecido social mobilizado para uma onda de desenvolvimento do País, em nome da prometida prosperidade europeia.

MUDANÇAS NA RÁDIO, NA IMPRENSA E NA TELEVISÃO
Foi neste período efervescente, marcado por medidas governamentais de liberalização económica, que, a par da abertura do espectro radioeléctrico aos operadores locais, se criaram condições para a abertura da Televisão à iniciativa privada (que também constituiu uma revolução no sector audiovisual, a partir da abertura da SIC, em 1992) e para o lançamento de vários jornais, com destaque para o semanário “O Independente” (1988) e para o diário “Público” (1990), que foram protagonistas de duas revoluções na imprensa, porquanto os dois jornais marcaram uma nova era na informação impressa portuguesa, influenciando os restantes meios de comunicação na forma de escrever e de tratar a informação. “Quando tudo parecia demasiado acomodado e podre, a vaga de fundo provocada pelo aparecimento de novos títulos levou a uma onda de mudanças e convulsões”, como escreveu Nuno Pacheco, num editorial do “Público” (01-03-1998).
Um dos novos projectos mediáticos foi precisamente a TSF, que na época representou um salto de modernidade ao nível do jornalismo radiofónico, até então dominado pelo Estado (através da RDP e da Rádio Comercial) e pela Igreja Católica (através da Rádio Renascença). Os fundadores da TSF estavam “descontentes com o peso institucional e governamental” da informação estatal, na imprensa, na rádio e na televisão, e estavam motivados para mudar esse estado de coisas.
Construída na base de um perfil de música e notícias – fazendo do “directo” a sua grande vocação – em que a informação tinha primazia sobre a música, a TSF ficou na história dos meios de comunicação como o “mais inovador projecto radiofónico surgido em Portugal”, marcando o fim do “duopólio Estado-Igreja Católica” no sector (“Público”, 01-03-1995), com um novo estilo e uma nova forma de estar na rádio. “Trouxemos de volta os dias da rádio”, como recordou Emídio Rangel (“Público”,01-03-1998), director e co-fundador, considerado o “pai da TSF”. No livro “Tudo o Que se Passa na TSF… Para um “Livro de Estilo” (2003), o jornalista João Paulo Meneses reforça: “A TSF nasceu como ‘rádio em directo’, porque é vocação primeira da rádio dar o acontecimento no momento em que acontece.”

O CICLO INFORMATIVO: ANTES E DEPOIS DA TSF
Como conta o jornalista Carlos Andrade, no prefácio do livro “Tudo o Que se Passa na TSF… Para um “Livro de Estilo”, antes da TSF, o ciclo informativo em Portugal era lento e previsível. Na informação política, por exemplo, a “regra” era esta: o partido “A” dava uma conferência de imprensa às 10h00 da manhã, de que tínhamos notícia ilustrada com som nos “jornais” radiofónicos da hora do almoço, acrescida de imagem (quando havia…) nos “telejornais” da RTP1 e RTP2, ao jantar, e citações com aspas nos jornais diários do dia seguinte.
Só cumprido este ciclo é que talvez o partido “B” optasse por convocar os jornalistas para emitir a sua reacção ou opinião sobre o que fora dito no dia anterior pelo partido “A”. Depois, toda a gente esperava pelos semanários do fim-de-semana para saber o que se passou nos bastidores daquelas conferências de imprensa. Só então poderíamos ficar a saber que divergências existiram quanto às posições anunciadas, que acordos de bastidores é que foram feitos, etc..
Ora, o grande mérito da TSF – a primeira rádio temática no País, exclusivamente vocacionada para a informação – foi destruir estes mecanismos, “questionando todos os poderes, quebrando todos os tabus”, como observa um dos seus fundadores, o jornalista David Borges (“Público”, 01-03-1998). Com a TSF, a informação deixou de ter hora certa. Aliás, a frase “As notícias não escolhem hora certa” era uma imagem de marca da TSF, cuja programação poderia ser interrompida a qualquer hora do dia ou da noite por causa de uma notícia de última hora.
Deste modo, por influência da TSF, o panorama informativo mudou muito em Portugal, deixando para trás os tempos em que o espaço público mediático era dominado pela informação oficial ou oficiosa, tratada de modo reverente pelas redacções, em consequência das limitações de opinião impostas pelo regime do Estado Novo (1936-1974) e pelo peso estatal ou partidário na gestão dos órgãos de comunicação social, que se seguiu à revolução de 25 de Abril de 1974.
Liberta de quaisquer dessas amarras e apostando num jornalismo comprometido com o rigor informativo e as regras da pluralidade, a TSF desencadeou mudanças na informação radiofónica, mas também na imprensa e na televisão. Na era da TSF, se o partido “A” anunciava uma conferência de imprensa para as 10h00, os dirigentes do partido eram contactados no dia anterior ou de manhã bem cedo, para anteciparem a mensagem. A conferência de imprensa era transmitida em directo. As reacções eram obtidas mais rapidamente, nos minutos seguintes… Muitas vezes eram geradas respostas novas, que ultrapassavam os factos que antes tinham sido novidade na conferência de imprensa. Tudo isto alterou hábitos de trabalho nas televisões e nos jornais, obrigando a novas fórmulas de abordagem da actualidade informativa.

A “RÁDIO EM DIRECTO” E O “JORNALISMO DE ANTECIPAÇÃO”
Como afirma Carlos Andrade, um dos jornalistas fundadores, que também seria director da estação, a TSF “acelerou o tempo da informação”. Foi neste aspecto que a estação de Lisboa mais revolucionou o jornalismo radiofónico em Portugal, pois trouxe “o imediatismo da informação”, ou, utilizando uma expressão de Eduardo Cintra Torres para descrever o impacto de uma emissão em directo, mostrou “a força do agora” (“Público”, 23-08-1999).
De facto, no cerne da mudança esteve o “jornalismo em directo”, com a imprevisibilidade, a emoção, a extrema proximidade entre os jornalistas e os acontecimentos, a declaração espontânea de um responsável político ou a voz do cidadão anónimo, até então ausente do palco.
A noção de “rádio em directo” instalou-se em Portugal a partir da matriz informativa da TSF, em 1988. O “jornalismo de antecipação”, até aí monopólio dos jornais semanários, transferiu-se para a rádio, e, só algum tempo depois, para a imprensa escrita, sendo inaugurado com o diário “Público”, em 1990. Daí a importância da TSF no jornalismo português. Podemos dizer que, em Portugal, havia um jornalismo antes de a TSF ter surgido e passou a haver outro jornalismo depois.

A RÁDIO COMO ESPAÇO DA CIDADANIA
A TSF passou a dar voz a todos os agentes políticos e sociais (sindicatos, organizações profissionais, associações, etc.), aos especialistas sobre as matérias objecto de notícias (um especialista sobre assuntos económicos comentava as consequências da subida dos impostos), impondo a sua própria agenda mediática. Sempre que possível, em directo, surpreendendo o ouvinte em permanência, com a introdução de novos temas e novos protagonistas no espaço mediático.
Os próprios cidadãos conquistaram o seu espaço em programas como o “Fórum TSF”, algo de verdadeiramente novo em Portugal, a partir de 1995, consagrando aquilo que nos Estados Unidos já era prática corrente dez anos antes: proporcionar um diálogo em directo entre os cidadãos e os responsáveis e candidatos políticos, com o cidadão comum e eleitor a ter possibilidade de fazer perguntas, emitir críticas e opiniões.
O “Fórum TSF” – que se transformou num “clássico” da estação e numa ferramenta de trabalho para os decisores políticos, que ainda hoje está no ar –, deu voz aos cidadãos anónimos, sobre os temas da actualidade (“Público”, 01-03-1995). Desse modo, proporcionou, a quem ouve a rádio, a percepção quanto ao impacto de determinado assunto da agenda mediática junto dos vários quadrantes políticos e socioeconómicos da população.

EXEMPLOS MARCANTES DA TSF EM DIRECTO
O incêndio do Chiado, em Lisboa (1988), a invasão do Kuwait pelo Iraque (1990-1991), o bloqueio da Ponte 25 de Abril (1994) e o massacre de Timor (1999) foram alguns dos acontecimentos que mostraram a força da rádio em directo, revelando os jornalistas da TSF como exímios intérpretes desse modelo de transmissão de informação e fazendo jus ao lema da estação: “Tudo o que se passa, passa na TSF…”. “A TSF quebrou decisivamente o marasmo no campo da rádio”, sustenta o jornalista Nuno Pacheco. Com a TSF, “o jornalismo radiofónico saiu das trevas”, considera o jornalista Francisco Sena Santos, um dos obreiros da equipa de Emídio Rangel (“Público”, 01-03-1998).
Em 25 de Agosto de 1988, o incêndio no Chiado permitiu à TSF fazer a primeira das suas grandes coberturas jornalísticas em directo, depois premiada com o Prémio Gazeta do Clube dos Jornalistas. Em Fevereiro de 1991, a TSF, com o enviado especial David Borges, foi dos primeiros órgãos de comunicação social em todo o mundo a entrar no Kuwait libertado, dando conta do momento num registo emocionado (cf. CD “16 Anos – Os Sons da Nossa História”, editado pela TSF, 2004). Em 24 de Junho de 1994, dia do bloqueio da Ponte 25 de Abril, que paralisou a Grande Lisboa, a TSF já tinha a concorrência da televisão privada, pois a SIC tinha inaugurado as suas emissões dois anos antes. Mas quem não conseguiu ver TV ao longo do dia, pôde ver “televisão pelos ouvidos”, em mais uma grande emissão radiofónica especial, em directo, com diversos pontos de reportagem, com entrevistas, com comentários, com a opinião do povo anónimo, com análises dos especialistas – tal como Orson Welles engendrara em 1938 ao teatralizar “A Invasão dos Marcianos” –, afirmando a TSF no panorama radiofónico português.
“Foi talvez a primeira vez que tivemos, em directo, uma decomposição da ordem pública cuja génese esteve intimamente ligada à existência de meios de comunicação social rápidos e de grande penetração”, como escreveu o crítico de televisão Jorge Leitão Ramos (“Expresso”, 1994). José Rebelo, em crónica na revista “Notícias Magazine” (1994), chamou-lhe “O Dia da Rádio”: “Tão cedo não esquecerei aquela sexta-feira, 24 de Junho de 1994, em que, preso, de manhã até à noite, ao meu aparelho de rádio, me deixei deliberadamente invadir. Pelo alucinante vozear dos repórteres, constantemente interrompido e constantemente retomado.”