quarta-feira, 4 de junho de 2014

A “Dica da Semana” e o futuro do jornalismo


A “Dica da Semana” é o jornal de variedades da cadeia de supermercados alemã Lidl. Na edição de 5 de junho de 2014, uma entrevista à apresentadora de televisão Bárbara Guimarães, que confessa estar transformada numa mulher “mais confiante”, é o tema de capa e das páginas centrais, presumivelmente os espaços editoriais mais importantes. No meio, como suplemento, a publicação traz um catálogo com preços e promoções, num formato estrategicamente maior que o da “Dica da Semana”, talvez para que possamos ver o logótipo do Lidl depois do jornal dobrado. Isto é o marketing de conteúdo impresso aplicado à comunicação dos supermercados. Uma comunicação que incorpora de forma híbrida diversas componentes outrora muito definidas. Nesta publicação temos jornalismo, marketing, relações públicas e publicidade. Esta é uma tendência global da comunicação das marcas, invadindo cada vez mais territórios que, no passado, eram exclusivos do jornalismo.
Na “Dica da Semana” nada é deixado ao acaso. Com uma distribuição gratuita nos supermercados e em casa dos consumidores, o jornal está tão bem organizado do ponto de vista editorial que até já tem edições regionais! Na imagem, por exemplo, podemos ver a edição “Bragança, Chaves, Minho” – regiões do Norte de Portugal. Uma organização assim era suposto pertencer ao universo dos jornais administrados por empresas jornalísticas. Mas é de uma rede de supermercados que estamos a falar. Isto indica-nos uma nova dimensão do jornalismo do futuro: o “jornalismo de marcas”, ou “brand journalism”, em inglês.
A ideia faz levantar os cabelos de muitos jornalistas profissionais, pois recoloca na agenda a velha questão da fronteira entre o marketing e a informação. Uma mistura entre os dois campos parece, no entanto, ser um caminho sem retorno, que tem as suas bases na evolução do próprio marketing. É que os consumidores exigem, cada vez mais, que as marcas sejam verdadeiras e transparentes. Ora, nada melhor do que produzir conteúdos sérios para demonstrar a verdade e a transparência como valores das marcas. Mas isto ainda só está no começo.
Um grupo de especialistas de marketing reunidos em Miami, em 2012, abriu a polémica. Saber se os agentes de relações públicas estão preparados para se transformarem em jornalistas de marcas foi justamente um dos temas principais da agenda de debates. “Quando os profissionais do marketing e relações públicas defendem o jornalismo de marcas eles estão refletindo uma nova postura das empresas, agora preocupadas em desenvolver uma imagem social para contrabalançar os efeitos negativos da preocupação exclusiva com o lucro corporativo. Esta é uma tendência generalizada entre as grandes e médias corporações, principalmente as que já têm um pé fincado no comércio eletrônico”, considera o jornalista Carlos Castilho, que escreveu para no portal do Observatório de Imprensa do Brasil justamente sobre o “jornalismo de marcas" como “a nova estratégia de relações públicas” (ver aqui: http://bit.ly/1kuVnJr).
A análise de Carlos Castilho, que é professor e analista de meios de comunicação, vai ao encontro das dúvidas que hoje invadem as redações jornalísticas um pouco por todo o mundo e que põem em causa o jornalismo como o conhecemos no século XX: “Hoje já não dá mais para ser tão enfático na afirmação de que os jornalistas defendem os interesses do leitor, porque já é muito difícil dizer quais são os interesses de quem compra jornal dada a enorme diversidade de necessidades e desejos. Também já não é mais possível dizer que os jornalistas defendem os interesses do público, porque a agenda da imprensa está condicionada pelos interesses das empresas jornalísticas, o que não é segredo para ninguém.”
Outra observação importante, do mesmo especialista: “A diferença entre o jornalismo profissional e o de marcas está cada vez menos no produto final e mais no tratamento da informação e da notícia. O jornalista, seja ele funcionário de uma empresa jornalística, um ‘free lancer’ ou até mesmo um praticante (não profissional), começa a tomar consciência de que a notícia está deixando de ser uma ‘commodity’ — porque perde gradualmente todo o seu valor comercial por conta do excesso de oferta informativa gerado pela Internet — para se tornar um dos fatores de produção de conhecimento.”
Com as marcas a produzir e difundir conteúdos informativos, o que será da informação de interesse público, aquela informação que não interessa às marcas, como é o caso da informação política ou da informação sobre os problemas de uma comunidade urbana, da educação ou da justiça? Fica a questão. Uma coisa é certa: o jornalismo profissional precisa de um debate sobre o seu futuro para encontrar o caminho certo.

terça-feira, 22 de abril de 2014

O profissional de comunicação do século XXI


A questão sobre quem deve dirigir a área de comunicação nas empresas é susceptível de levantar dúvidas e dificuldades na hora da decisão da contratação de um profissional. Sobretudo nestes tempos de convergência, ou hibridez, das ações de comunicação, não existindo divisões estanques entre as diversas disciplinas da comunicação. Nas redes sociais, por exemplo, as marcas misturam ações de marketing com ações de relações públicas e notícias. Essa mistura transforma o profissional de comunicação num agente multifunções, como se fosse uma espécie de canivete suíço.
Para uns, ter um bom serviço de comunicação significa ter notícias nos jornais, para outros significa vender mais produtos e serviços ou ter uma presença digital de excelência, para outros ainda significa ter muitas ações de relações públicas para reforço da imagem da empresa junto da comunidade. Para dificultar a decisão, todas as ações de comunicação referidas são importantes numa boa assessoria de comunicação. Por isso, a escolha não deve ter como critério principal uma das especialidades do profissional a contratar – jornalista, relações públicas, analista de comunicação digital ou técnico de marketing – mas antes uma formação e uma bagagem cultural que permitam a esse profissional de comunicação demonstrar uma visão cósmica do campo operacional. 
De qualquer modo, é fundamental que o profissional de comunicação seja um bom produtor de conteúdo informativo, sabendo escrever sem erros e transformar um conjunto de dados num texto atraente, que possa ser lido com interesse por qualquer pessoa. Dominar a comunicação corporativa em ambiente digital é igualmente fundamental.
Além disso, um bom profissional de comunicação deve ter entendimento de economia e de política, assim como de sociologia, de psicologia, de estatística e de tecnologias de informação. Não precisa de ser fotógrafo, designer ou técnico de imagem, mas é essencial que tenha noções sobre essas artes cada vez mais importantes na comunicação contemporânea. 
O profissional de comunicação do século XXI deve, também, possuir um amplo conhecimento do negócio em que atua e setores económicos adjacentes, o que implica ter bons conhecimentos em marketing, um conhecimento sólido da cultura popular do mercado em qua atua e um acompanhamento do desenvolvimento tecnológico como utilizador. Isso exige muito estudo, muita leitura, muita investigação, método, disciplina e preocupação com sua própria imagem.
Atualmente, um bom profissional de comunicação deve ter estas características, que resultam de uma multiplicidade de saberes que, dificilmente, algum curso superior será capaz de proporcionar de um modo tão completo. Isto quer dizer que é preciso acrescentar ao saber académico uma série de outros saberes que resultam de leituras e análises sociais próprias e da experiência profissional. É um trabalho permanente, porque um profissional de comunicação tem de estar sempre em formação para não perder o comboio da atualidade e as tendências dos mercados, que estão sempre em mutação. 

sábado, 19 de abril de 2014

Jornalistas famosos na publicidade. Um debate atual


Muitos jornalistas famosos e artistas utilizam a fama e a imagem de credibilidade conquistada na carreira profissional para vender produtos e serviços ou participar em anúncios comerciais na televisão e na Internet. São casos comuns na sociedade mediática e de consumo em que vivemos, mas que, muitas vezes, levantam problemas éticos.
A questão é que o negócio da fama e a fama como negócio fazem parte desta nossa era do espetáculo e do comércio. É um tema que foi objeto de um debate muito interessante, promovido pelo Observatório da Imprensa – uma “think tank” brasileira sobre jornalismo.
O debate, com a duração de 50 minutos, é moderado pelo prestigiado jornalista brasileiro Alberto Dines. Participam o publicitário Adilson Xavier, o historiador e jornalista Paulo César de Araújo e a colunista do Estado de S. Paulo Cristina Padiglione. Veja no vídeo: http://bit.ly/1tlZAT8.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Jornais fecham-se no papel e abrem-se no digital


Há dias, o diretor de um dos maiores jornais de Fortaleza e do Nordeste do Brasil – que integra um grupo de comunicação que tem rádio e televisão há muitos anos –, dizia-me que o futuro dos jornais impressos está no jornalismo local e regional. No caso, estamos a falar de jornalismo local e regional numa cidade em cuja área metropolitana vivem 3,5 milhões de pessoas, tanto como na cidade de Madrid, que é a maior da Península Ibérica. 
No âmbito dessa estratégia, a informação nacional e internacional tem cada vez menos espaço na edição em papel, tendo sido subtraídos os colaboradores de temas nacionais e internacionais. Isto no que concerne à edição em papel, porque, na edição online, isso não acontece. "Com a Internet, os jornais se fecham ao mundo no papel, focando-se no jornalismo de proximidade, e se abrem no digital, chegando a todo o mundo e dando espaço a toda a informação", dizia-me o diretor, numa observação muito curiosa.
Apostando no jornalismo local, os jornais impressos reforçam o vínculo com a sua comunidade de leitores. Os leitores, por seu lado, passam a sentir que aquele é o jornal em que podem confiar, pois é aquele que fala sobre os seus problemas. Deste modo, é incorporado um elemento emocional no processo de decisão de compra do jornal diário. Pode ser um caminho.
Até agora não tem sido esse o caminho percorrido pelos jornais portugueses, que praticamente eliminaram a informação local das suas páginas em papel e das edições digitais (informação local que exige investimento e dá trabalho, pois não há agências internacionais a descobrir as histórias e a escrever os textos), ficando cada vez mais virados para si mesmos, para a macropolítica de Belém, S. Bento e Bruxelas, para os interesses da alta finança e das empresas com dinheiro para boas assessorias – que representam os interesses mais fortes –, e para as vacuidades das pobres celebridades que transformam algumas páginas da imprensa em feiras de vaidades de fraca qualidade. 

A publicidade em primeiro lugar


As primeiras páginas do "Jornal de Notícias" e do “Metro” desta sexta-feira, 4 de Abril de 2014. A publicidade à frente das notícias. O interesse económico da publicidade à frente do interesse público das notícias.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Relações Públicas e Jornalistas. Uma relação difícil


Muito se tem escrito sobre o papel dos agentes de relações públicas no espaço público mediático – profissionais da comunicação que, ao serviço de uma instituição, empresa, organismo ou até pessoas, são, muitas vezes, acusados de “envenenar” os verdadeiros jornalistas, “vendendo-lhes” notícias ou informações que estes últimos não deveriam “comprar”... Verdade? Mentira? Se calhar as duas coisas, pois tudo deve começar no respeito com que uns e outros devem relacionar-se...
Comecemos então. Um agente de relações públicas (RP) pode e deve assumir-se como um informador privilegiado dos jornalistas. Deve ter conhecimento profundo da matéria cuja divulgação pretende, assumindo naturalmente que esse facto não lhe dá o direito de exigir qualquer publicação ou simples divulgação. Por outro lado, o jornalista ao receber informações, documentação, etc., do profissional de RP, não deve nem está a assumir qualquer compromisso em termos de divulgação do conteúdo dessas mesmas informações.
Tudo se pode passar, ao fim e ao cabo, como se uma fronteira invisível atravessasse, embora dividindo, um terreno comum a estes dois profissionais. De um lado o agente de RP, que ao ter conhecimento dos princípios de independência, rigor e objetividade que regem a atividade jornalística, não deve pressionar o jornalista, forçando ou simplesmente sugerindo qualquer publicação.
Do outro, o jornalista, que jamais se deve sentir comprometido por aceitar documentação ou informações, antes reservando-se o direito de as analisar, trabalhar e incluir ou não no seu trabalho final. Que o RP não se sinta melindrado se o jornalista não aproveitar, ou aproveitar pouco o seu material. Que o jornalista não se sinta, “culpado” por exercer as suas opções editoriais chegando à situação limite de recusar a divulgação ou publicação de qualquer matéria.
Qual então o terreno comum aos dois grupos? A informação trabalhada e preparada por um para servir a função do outro? Provavelmente, e uma vez mais se afirma, no total respeito pelas competências e prerrogativas de ambos.
O agente de RP tem, assim, a responsabilidade de produzir ou preparar uma informação que, destinando-se a ser fornecida ao jornalista, jamais poderá conter erros, mentiras, inverdades ou simplesmente ser falaciosa, por assumir dedutivamente algo não provado.
Embora podendo considerar o profissional de RP como uma fonte de informação fidedigna, o jornalista jamais deve assumir como inquestionável o material informativo que recebe das suas mãos. Por outras palavras, a matéria informativa recebida pelo jornalista pode, e se calhar deve, ser confirmada junto de outras fontes estranhas ao primeiro “informador”.
O jornalista pode, assim, encarar o agente de RP como um precioso auxiliar no processo da obtenção da informação. Pode e deve, porque essas são as suas funções, questionar essa mesma informação, procurando complementá-la junto de outras fontes.
O profissional de RP – ou assessor de comunicação – não pode nem deve alimentar expectativas de que a sua informação vá ser aproveitada em todo ou em parte pelo jornalista na sua peça. Mas pode ter fundadas esperanças de que quanto mais correta, factual e organizada estiver a informação que fornece ao jornalista, maiores serão naturalmente as possibilidades dessa mesma informação ser difundida pelo jornalista.
Há em todo este processo um risco que não deve ser escamoteado. O agente de RP serve os múltiplos interesses da entidade que o contratou, e é evidente que o seu trabalho reflete esses mesmos interesses. Ao contrário, o jornalista norteia a sua ação, orientando-a em função do interesse público, ou quando muito no interesse do público. Estes interesses podem entrar em choque, e às vezes dar origem a equívocos que os intervenientes devem ser capazes de amenizar.
É assim frequente encontrarmos relações públicas que entendendo a especificidade do trabalho dos jornalistas, limitam-se não apenas ao papel de fornecedores de informação, mas sobretudo à organização segundo critérios jornalísticos dessa mesma informação.
Trabalhando a montante do jornalista, o agente de RP dá-lhe a total liberdade de escolha da informação a publicar, devendo aceitar implicitamente os resultados dessa escolha. Funcionando o jornalista a jusante do relações públicas, as suas opções editoriais, acabam por ter em conta os seus destinatários: o grande público consumidor do seu trabalho jornalístico.


Pedro Luiz de Castro, 
jornalista 
e professor 
universitário 
:: 
Texto inédito 
enviado pelo autor

A remoção de Mário Crespo


O jornalista Mário Crespo sai da SIC Notícias e o “Jornal das Nove” jamais será o mesmo. Curiosamente, a comunicação da Impresa, de Pinto Balsemão, diz que vai renovar a “oferta informativa em horário nobre”. Como se houvesse horário nobre na televisão atual (embora isso seja tema para outra análise). E como se fosse possível substituir a experiência e a memória do jornalista Mário Crespo – para mim, um dos melhores pivôs de informação da televisão portuguesa, cuja densidade e independência incomodavam os vários poderes políticos. 
Há momentos em que o esforço de comunicação de uma organização se transforma em propaganda barata. A questão é esta: a saída de Mário Crespo significa a remoção da memória na redação da SIC Notícias. E a remoção da memória numa redação é uma perda irreparável. Por muito que se renove a tal oferta informativa. Confira a informação: http://bit.ly/1miIa7Z.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Ameaças ao Facebook


A rede social Facebook cresceu, cresceu muito, e transformou-se num espaço muito mal frequentado. Se o senhor Mark Zuckerberg não apostar fortemente na segurança e não conseguir travar a proliferação de vírus que andam por aí – travestidos de pedidos de amizade, mensagens, posts e comentários robotizados –, a maior rede social do mundo corre o risco de cair, como aconteceu com muitas outras que duraram menos tempo. Porque ninguém gosta de frequentar um espaço que representa uma ameaça à nossa segurança.

quinta-feira, 13 de março de 2014

A queda do vinho do Porto no Brasil e a comunicação


O vinho do Porto perdeu 30% do negócio no Brasil em apenas dois anos, anunciou o “Jornal de Negócios”, apontando como motivos barreiras alfandegárias e taxas elevadas. Mas há outras razões. É trágico porque é uma queda que acontece num momento em que os brasileiros despertam para o consumo de vinhos e têm uma oferta internacional cada vez maior. E mesmo custando cinco vezes mais, em média, do que em Portugal, os vinhos portugueses nem são particularmente dos mais caros que podemos ver nas prateleiras dos supermercados brasileiros. A questão é que não são os únicos vinhos do mercado. E até os bons vinhos franceses apostam em comunicação, aparecendo no Brasil com rótulos em língua portuguesa.
Eu acrescento outra razão para a tragédia: falta ao vinho do Porto uma política de comunicação eficaz no Brasil. Em especial uma comunicação que vá ao encontro do consumidor, despertando o seu interesse por um dos melhores vinhos do mundo. O lado bom é que o presidente do Instituto do Vinho do Douro e do Porto, Manuel de Novaes Cabral, com quem já tive o privilégio de falar sobre o assunto, sabe disso.
Num mundo global e competitivo, a comunicação é um elemento fundamental para que um produto possa ir ao encontro dos consumidores, criando neles uma necessidade de consumo. Comunicar com eficácia um vinho num determinado mercado estrangeiro é dar a conhecer esse vinho, mas também a cultura que o envolve e os momentos que convidam ao seu consumo, gerando, assim, envolvimento entre o produto e os possíveis consumidores.
O Vinho do Porto e a Região Demarcada do Douro – que é a região demarcada mais antiga do mundo – reúnem condições para uma comunicação eficaz nos mercados internacionais, que tenha em conta uma visão multidimensional da região e do País, que contribua para o fortalecimento da imagem externa da região duriense, para a captação de consumidores de vinho do Porto, para a atração de enoturistas, assim como de novos investimentos e, por consequência, novas fontes de rendimento para a região duriense, para a Área Metropolitana do Porto e para Portugal.
O Turismo do Vinho é um segmento da atividade turística que se baseia na viagem motivada pela apreciação do sabor e aroma dos vinhos, mas também nas tradições e na cultura das localidades que produzem a bebida. Mais do que apenas "beber" vinho, o enoturista aprecia paisagens, utiliza os equipamentos de gastronomia, hotelaria e diversão, fomentando a economia, designadamente o comércio local e outras prestações de serviços. Uma boa comunicação de um produto com a singularidade do Vinho do Porto tem, portanto, reflexos sobre a percepção pública que os “stakeholders” e os públicos externos podem ter sobre o território produtor.
O aumento do grau de conhecimento sobre o vinho do Porto é fundamental para fazer aumentar o seu consumo no Brasil. No mercado brasileiro, aumentar o conhecimento sobre o vinho do Porto implica ensinar a história, a forma como se bebe, como se aprecia e combina com os diversos tipos de comida. Os vinhos do Porto e do Douro possuem uma multiplicidade de características e de produtos diferenciados que se adequam a muitos momentos de consumo, dos mais solenes aos mais descontraídos, a climas mais quentes ou mais frios – e o mercado brasileiro precisa de ter acesso a esse conhecimento, para saber distinguir entre um vinho do Porto e um vinho argentino, chileno ou francês.
Um bom vinho depende, antes de mais, do território onde é produzido. É por isso que não existe Vinho do Porto que não seja produzido na Região Demarcada do Douro. Por isso, a sua comunicação agrega valor ao produto se tiver em conta não só o vinho, mas também as potencialidades ambientais, turísticas, culturais e económicas da Região Demarcada do Douro. É esse conhecimento que se traduz em percepções positivas junto dos potenciais consumidores que, por sua vez, potenciam o consumo do vinho e, eventualmente, o incremento do turismo e da economia da região produtora do vinho. Neste processo, que é dinâmico, são captados novos consumidores de vinho e novos turistas, enquanto outros se fidelizam.
A rede de hotéis, o Museu do Douro, os passeios de barco no Douro, as quintas e adegas, a gastronomia da região, o comboio histórico, as caves do vinho do Porto, a cultura e as tradições, os centros históricos do Porto e Vila Nova de Gaia, etecetera, são elementos cuja comunicação integrada é susceptível de aumentar nos públicos brasileiros o interesse pelo conhecimento do Norte de Portugal. O que, por consequência, aumenta o interesse e o conhecimento sobre o Vinho do Porto e o seu consumo.
Através da Internet, com uma linguagem adaptada à cultura brasileira, a comunicação pode levar vinho do Porto diretamente aos consumidores brasileiros. Só assim será possível evitar a queda nas vendas e inverter a tendência, para bem da economia portuguesa. E num negócio que, neste momento, vale 3,8 milhões de euros anuais (valor das exportações de vinho do Porto e do Douro para o Brasil em 2013), iria valer a pena o investimento.

domingo, 9 de março de 2014

Impresso ou digital? Prefiro o jornalismo credível


O jornalismo digital é sinónimo de informação instantânea. O pior é que isso, muitas vezes, significa falta de confirmação dos dados junto das fontes e ausência de cruzamento de informações, por alegada falta de tempo. Na Internet a concorrência é ditada ao segundo e ninguém quer perder a corrida desenfreada pela notícia dada antes dos outros. Noutros tempos, antes da rapidez da Internet, quando a concorrência dos jornais impressos tinha, pelo menos, a cadência das 24 horas do dia, a publicação de notícias com base em dados não confirmados era identificada como um exemplo de incompetência profissional de jornalistas, editores e diretores.
Agora, as edições digitais cometem erros grosseiros que, por sua vez, são reproduzidos por outras edições digitais e pelas edições impressas do dia seguinte e, inclusive, nas revistas da semana seguinte. É o descrédito total do jornalismo impresso – que não tem culpa nenhuma dos erros grosseiros cometidos por maus profissionais digitais sem tempo para nada.
É neste contexto que muitas notícias falsas se propagam como vírus tanto nas edições digitais como nas edições impressas, provocando o descrédito do jornalismo e alimentando discussões sobre o fim do jornal impresso e sobre um futuro digital e em rede capaz de resolver os problemas do jornalismo.
Curiosamente, ninguém confessa, mas um jornalismo sem crédito deve interessar muito aos interesses privados que invadiram governos e outras instituições públicas, e invadiram também o espaço público mediático. Quanto menos credível é o jornalismo, mais esses interesses podem medrar.
Mais do que discutir se o jornalismo deve ser impresso ou deve ser digital, importa discutir em que condições é que o jornalismo deve ser feito. A crise de credibilidade no jornalismo contemporâneo é uma questão fundamental. Se a distribuição do jornalismo aos cidadãos é feita em modo digital ou em modo impresso será, a meu ver, uma questão igualmente importante, mas não elementar. A propósito desta reflexão sobre a crise do jornalismo contemporâneo, aconselho a leitura de um texto de Jessica Behrens e João José Forni, no blog “Comunicação & Crise”, sobre o que tem a ver a poluição chinesa com a crise do jornalismo (ver aqui: http://bit.ly/PcHIe3).

sexta-feira, 7 de março de 2014

A “selfie” de Ellen DeGeneres e a nova publicidade


Um bom exemplo do que são as novas formas de fazer publicidade aconteceu na noite dos Óscares – o momento em que a apresentadora Ellen DeGeneres promoveu uma selfie (fotografia tirada a si própria), que correu mundo e foi um fenómeno impressionante de partilha nas redes sociais. A história que apareceu no dia a seguir é curiosa: durante toda a emissão da entrega dos Óscares, Ellen DeGeneres brincou com um telemóvel Samsung Galaxy Note branco que tinha na mão – e foi esse aparelho que ela passou ao actor Bradley Cooper para ele fazer a selfie que correu mundo, ao lado de estrelas como Brad Pitt, Meryl Streep, Kevin Spacey e Jennifer Lawrence, para além da própria DeGeneres, à sua volta. O momento da selfie foi filmado e emitido na transmissão televisiva e lá está bem visível o logo da Samsung. Acontece que a Samsung investiu cerca de 20 milhões de dólares em spots que passaram nos intervalos da transmissão da entrega dos Óscares deste ano e a presença em palco do Galaxy fazia parte do pacote negociado.
Mas a marca não se ficou por aí e preparou a sua presença em ecrã, desde pessoas que o usavam na passadeira vermelha a fazer fotografias e a filmar, até ao momento da selfie. Segundo o "The Wall Street Journal", a selfie terá sido ideia de Ellen DeGeneres, mas a cadeia ABC, detentora dos directos da transmissão e comercialização da publicidade, sugeriu que ela o fizesse com um Samsung Galaxy Note, e responsáveis da Samsung estiveram nos ensaios e ensinar Ellen DeGeneres a familiarizar-se com o aparelho para que, na altura certa, o pudesse utilizar de forma bem visível. Na realidade, a selfie não foi uma coisa espontânea, foi um "product placement" bem pensado e trabalhado que deu enorme retorno à marca coreana. A foto foi "retweetada" quase três milhões de vezes na segunda-feira à tarde e a Samsung chegou a ser mencionada 900 vezes por minuto nas redes sociais durante esse espaço de tempo. É impossível quantificar o valor que isto significa, mas excede em muito aquilo que foi pago pelos spots exibidos nos intervalos da emissão.

Manuel Falcão, “Jornal de Negócios”, 07-03-2014 :: http://bit.ly/1dzeSx8
Obs. – Título da reponsabilidade do blog COMUNICAÇÃO INTEGRADA

segunda-feira, 3 de março de 2014

Um assessor de imprensa aos pontapés


Quem costuma contactar com Zeca Mendonça, o assessor de imprensa do PSD, que entrou no partido nos tempos da fundação, como segurança de Francisco Sá Carneiro, tem dele a imagem de uma pessoa equilibrada, sensata, afável e minimamente conhecedora do funcionamento dos jornalistas e do sistema mediático. Não é um estratega, mas é um homem do terreno atento aos detalhes, sempre disponível para ajudar os jornalistas no cumprimento do seu trabalho.
Sendo talvez o assessor de imprensa há mais tempo em funções em Portugal, o veterano Zeca Mendonça é, aliás, uma referência do PSD. Por isso, o seu pontapé num fotojornalista não é um pontapé qualquer. Ainda me lembro do célebre congresso do PSD que ditou a sucessão de Cavaco Silva e do momento em que Luís Filipe Menezes, então presidente da poderosa Comissão Política Distrital do Porto, com o discurso contra os “sulistas, elitistas e liberais”, causou desordem na reunião, tendo bastado um olhar do líder Cavaco para que Zeca Mendonça assomasse ao púlpito e dissesse que Cavaco Silva pedia ordem aos congressistas, começando toda a gente a gritar pelo PSD, devolvendo, assim, a ordem ao conclave.
Duas décadas depois, somos surpreendidos pelo mesmo Zeca Mendonça a pontapear um fotojornalista nos corredores de um conselho nacional do PSD, onde havia, realmente, interesse jornalístico em fotografar o seu novo presidente, o regressado Miguel Relvas (assista ao vídeo aqui: http://bit.ly/1coRcxf).
Entre 1995 e 2014 são duas imagens distintas da mesma pessoa. Aparentemente, foi Zeca Mendonça que mudou para pior, perdendo as estribeiras e reagindo sem senso e sem inteligência – ignorando que estava a ser filmado pelas costas e que, actualmente, tudo o que acontece no espaço público fica registado e pode ser amplamente difundido sem controlo por meios de comunicação tradicionais ou digitais, como aconteceu. E ainda bem, em nome da transparência e do direito que temos à informação.
Infelizmente, Zeca Mendonça abordou o fotojornalista ao pontapé, com o ímpeto de quem queria mesmo partir a perna ao adversário. Um método próprio de intolerantes, que não convivem bem com a democracia e com a diferença, e que, portanto, não suportam jornalistas. Mas o seu pontapé também pode ser visto como uma metáfora da acção governativa contra os bolsos dos portugueses, enquanto o Estado continua a viver gordo como sempre viveu, tendo eliminado apenas umas juntas de freguesia para disfarçar.
O que é extraordinário é que a reacção brutal do assessor do PSD foi motivada por uma simples fotografia, que o repórter fez e, ao que parece, não deveria ter feito. E que mal teria a fotografia de Miguel Relvas que o fotojornalista queria mostrar ao público através dos meios de comunicação para quem trabalha? Não teria mal nenhum, evidentemente. O assessor quis proteger Miguel Relvas de quê? É por isso que tenho enorme dificuldade em entender este triste episódio fora de um clima de desespero e desnorte total da comunicação do PSD. 

O namorado de Judite de Sousa e o jornalismo do nada


Já há vários anos que os jornais portugueses “Correio da Manhã”, “Diário de Notícias” e “Jornal de Notícias” – particularmente estes, que teoricamente são diários de informação geral e não jornais de mexericos –, enveredaram pela criação de uma secção ondem publicam alegadas notícias do chamado "jet-set" – ou mundo cor-de-rosa, como também é conhecido –, que vive à base dos interesses comerciais de agentes de comunicação que trabalham com modelos, actores e outros artistas para promovê-los de qualquer maneira no espaço público mediático.
Sempre disponíveis para mostrarem aos seus leitores bons corpos sem roupa, os jornais de informação geral, outrora reconhecidos defensores do interesse público e promotores da informação de interesse público, colocam-se, assim, ao sabor dos interesses privados de atores e modelos, que procuram aparecer quando estão no desemprego. Por vezes, é nesse contexto que muitas modelos/actrizes aproveitam o ensejo para mostrar as mamas novas, demonstrando, assim, a sua excelente forma física para voltar ao mercado. E os jornais vão enchendo páginas e páginas com estes conteúdos daquilo que já designei neste blog como o jornalismo do nada. 
Administradores e editores de jornais podem comemorar milhões de “pageviews” nas edições digitais dos respectivos meios de comunicação, mas já deveriam ter concluído que, com estas notícias sobre o nada, não ganham públicos fiéis para as edições em papel nem conseguem inverter a tendência de queda das receitas de publicidade.
Apesar disso, os seus jornais continuam alegremente a informar-nos quem vai para a cama com quem. E, como o mercado é pequeno, agora até jornalistas famosos são objeto destes mexericos, como é o caso da “notícia” sobre o novo namorado de Judite de Sousa (ver aqui: http://bit.ly/1eV3Q1i), publicada num jornal dito de referência como se fosse jornalismo. Como se tivéssemos alguma coisa a ver com o casal. Como se os leitores fossem acéfalos. E como se estes jornais pudessem sobreviver assim. Fotografia: Lux

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

As imagens e a credibilidade


"Imagens de qualidade indicam uma preocupação maior com design, que transmite maior credibilidade, uma relação de confiança entre o seu leitor e você."
Henrique Carvalho, editor do blog "Viver de Blog", 17-02-2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Fernanda Lima nua com botas da Arezzo


A modelo brasileira Fernanda Lima, de 36 anos, que ficou muito conhecida fora do Brasil ao ter sido apresentadora do sorteio do Mundial de Futebol Brasil 2014, posou nua, sem calcinha e com os seios tapados por carteiras, para uma campanha publicitária da marca de sapatos e acessórios Arezzo. “Confiei e fui absorvida pelo clima”, declarou Fernanda Lima à imprensa brasileira, sobre o ensaio. A apresentadora é a estrela contratada pela Arezzo para o catálogo de inverno 2014.
Numa imagem divulgada no último sábado, dia 8, Fernanda Lima usa apenas um par de botas de cano curto da Arezzo – uma marca brasileira posicionada para o segmento de luxo, sendo, aliás, segundo um estudo recente, a primeira marca feminina e brasileira mais lembrada no “Top of Mind” das mulheres consumidoras da Classe A (confira aqui: http://bit.ly/1f9ZGDf). 
Sendo a Arezzo uma marca de calçado feminino muito conhecida do seu público-alvo, não sei até que ponto uma mulher nua na publicidade será capaz de chamar a atenção e acionar o processo de decisão de compra nas brasileiras com poder aquisitivo.
Embora estejamos a falar de um produto direcionado ao público feminino brasileiro de classe A, ou seja, potencialmente formado, informado e, portanto, mais exigente, haverá, com toda a certeza, publicitários e teóricos da publicidade capazes de nos explicarem por que é que os sapatos de uma marca de prestígio precisam de uma mulher nua para chamar a atenção do seu público-alvo, que é feminino e, teoricamente, de bom gosto. 
Em minha opinião, a questão é mais prosaica: estamos perante uma campanha de mau gosto, que parece dirigida por uma agência de publicidade apostada na vacuidade e não por uma agência de comunicação determinada a criar uma relação duradoura entre a Arezzo e as mulheres que podem comprar os seus produtos. No fundo, estamos perante uma comunicação sem conteúdo, a não ser o corpo pago de uma mulher famosa. Ora, no quadro da sociedade hipermediatizada em que vivemos, em que as pessoas estão permanentemente a receber mensagens, vindas de todo o lado, os consumidores querem comunicação com conteúdo, com transparência e sem artifícios. Para estes novos consumidores, que são mais difíceis de conquistar, conteúdo significa informação com rigor. E transparência significa sinceridade. Tudo o resto, incluindo o corpo de uma mulher nua, é dispensável.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O Benfica não conseguiu evitar a tragédia


A imprensa desportiva portuguesa anda muito macia. É compreensível, porquanto, em função das estratégias editoriais – e comerciais , está muito condicionada pelos interesses dos clubes e outros agentes do futebol. É por isso que trabalha pouco, não investiga. É por isso que todos os jornais, mais vírgula, menos vírgula, dizem o mesmo, ouvindo as mesmas pessoas e salientando os mesmos pontos de vista. É assim que os jornalistas, que são uma espécie de marionetes do sistema, se defendem uns aos outros. Porque um jornalista que trabalhe, que investigue, que aponte o dedo, enfim, um jornalista que seja livre e que escreva algo diferente dos outros pode ter a carreira em risco.
Previsíveis, e sem informação nova, os jornais desta segunda-feira, assumem as vozes oficiais, escrevendo que foi evitada uma tragédia no Estádio da Luz, em Lisboa. Por causa do mau tempo, dizem. Ninguém aponta o dedo à responsabilidade do Benfica sobre a má construção ou falta de manutenção do seu estádio. Não, a culpa foi do vento e da chuva – elementos da natureza com costas largas, pois não sentem, não pensam, nem falam.
Mas não é verdade que a tragédia tenha sido evitada. O Benfica não conseguiu evitar a tragédia. A cobertura do estádio  que não aguentou um vento mais forte do que habitualmente  e os detritos caíram mesmo sobre o relvado e as bancadas – pondo em perigo a saúde dos presentes e colocando a nu a falta de condições de segurança do estádio escolhido pela UEFA para receber a Liga dos Campeões 2013-2014. Por isso é que o jogo com o Sporting Clube de Portugal foi adiado.
Outra tragédia foi comunicacional. No Estádio da Luz, as 65 mil pessoas que pagaram o seu bilhete estiveram mais de 30 minutos à espera de informação sobre o que estava acontecendo. E sobre o que poderia acontecer. Um exemplo de má comunicação da organização do jogo, a cargo do Benfica. Para que serve um “speaker”? Será só para fazer a festa, para apresentar passatempos e para animar a equipa da casa em momentos de aperto? Não, obviamente.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O extermínio das ciências humanas em Portugal


(...) O Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho, é uma unidade de investigação em Ciências da Comunicação, avaliada pelos peritos internacionais da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) como Excelente, de resto a única na sua área a obter tal classificação. Trabalham neste centro 60 investigadores doutorados e cerca de 130 investigadores fazem o doutoramento. Por outro lado, uma dúzia de bolseiros apoiam os projetos de investigação em curso. Mas em apenas dois anos, a FCT reduziu o melhor centro de estudos em Ciências da Comunicação do país a uma unidade de investigação residual. Cortou-lhe 30% do financiamento global, não aprovou projetos avaliados como excelentes e reduziu incrivelmente o número de bolsas para formação avançada. Em 2013, o CECS teve apenas uma bolsa de doutoramento aprovada, um projeto aprovado em 2012 e nenhum no concurso de 2013.
Por outro lado, também em 2012, a área de Ciências da Comunicação perdeu a sua qualidade de área específica, tendo sido colocada no único bloco constituído das CSH (Ciências Sociais e Humanas), o qual, com os seus 15% de peso no financiamento, inclui, além das Ciências da Comunicação, a Sociologia, a História, a Geografia, a Antropologia, as Línguas e Literaturas, os Estudos Culturais, as Ciências da Educação, as Artes, entre outros. A FCT abriu em 2012 e 2013 concursos de investigadores-FCT, para bolsas de topo na investigação. Os cinco candidatos do CECS foram reprovados, como aliás todas as candidaturas nacionais vindas da área das Ciências da Comunicação. Em ambos os concursos, todavia, nenhum membro do júri era investigador desta área científica. (...)
A FCT rompeu o pacto de confiança que tinha com as universidades públicas – elas não são mais o seu parceiro privilegiado para a execução das políticas científicas. Entretanto, num galope sempre cada vez mais alucinante e vertiginoso, a irracionalidade seguiu impante. Concursos estruturantes para a vida das instituições nos próximos seis anos, a serem abertos nas férias de Verão ou a serem lacrados na passagem do ano. Concursos sem regras fixas, ou com regras de geometria variável, a serem fixadas em andamento, e até depois de concluídos os concursos, ou então, pasme-se, a serem alteradas no meio de concursos abertos. Plataformas informáticas que nunca funcionam de modo escorreito e tornam caótica a gestão dos prazos dos concursos. A aplicação de métricas à produtividade científica nas CSH, completamente inadequadas, que fazem depender a qualidade académica de meras agências de rating. A nomeação de um Conselho Científico de Ciências Sociais e Humanidades, sem consulta à comunidade académica e com a credibilidade ferida por uma série de intrusos, desqualificados na área, uns, com o estigma da encomenda partidária, outros, e com o vício do nepotismo, outros ainda, um Conselho diminuído em “autonomia, autoridade e experiência”, a ponto de seis das principais associações científicas desta área terem exigido, sem mais, a revogação da decisão de nomeação.
Esta estratégia, de tão feroz e ensandecida, apenas pode ter como objetivo destruir a comunidade académica, vencendo-a pelo cansaço, pelo nojo e pelo desespero, na presunção de que seja impossível suster tamanho ciclone. E, todavia, instados a pronunciar-se sobre o CECS, o inglês Denis McQuail, professor da Universidade de Amesterdão e uma referência mundial nas Ciências da Comunicação, e também a inglesa Annebelle Sreberny e a estadunidense Janet Wasko, respetivamente, a antiga e a atual presidentes da mais importante associação mundial de Ciências da Comunicação, a International Association for Media e Communication Research (IAMCR), escreveram, em síntese:
“O CECS é o mais reputado centro de pesquisa português em várias áreas, que incluem a literacia mediática, a economia política dos média, a regulação dos média, os estudos lusófonos (políticas da língua, políticas da comunicação, identidade e narrativas, identidade e multiculturalismo), e estudos sobre as políticas científicas e tecnológicas no espaço ibero-americano. Além disso, o CECS desempenha um papel de liderança crítica nos estudos da Comunicação. Os seus membros detêm posições de topo em associações internacionais e na direção de alguns bem-conhecidos grupos de pesquisa internacional. O centro organizou, por outro lado, alguns dos mais importantes congressos internacionais de Comunicação: o Congresso da IAMCR; em 2010, vários Congressos Lusófonos, desde 1999; o Congresso da Secção de Rádio da ECREA, em 2012; o Congresso Europeu de Semiótica Visual da IAVS, em 2011”.  (...)
Deveria ser permitido puxar da pistola, quando do Governo ou da FCT nos viessem falar de qualidade e de excelência, de ligação às empresas, de empreendedorismo, de competitividade e de produtividade. Porque é criminosa uma política científica que não tem pensamento nem cultura, que não tem conhecimento nem consciência. Um vento maligno levantou-se na Cidade e percorre-a em devastação. Enquanto durar, serão anos de calamidade.

Moisés Lemos Martins, diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho e Presidente da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (Sopcom) e da Confederação Ibero-americana das Associações Científicas e Académicas de Comunicação (Confibercom), “Público”, 03-02-2014 :: Texto integral: http://bit.ly/1eso9XO :: Fotografia: "Público" / Arquivo

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Decifrar o cliente é um desafio


“A forma como as empresas se relacionam com seus clientes mudou. A preferência crescente por dispositivos móveis e a utilização da Internet como motor de pesquisa elevaram a competitividade entre marcas e, consequentemente, a necessidade de um refinamento na maneira de entender e se relacionar com este novo consumidor.”
Partilho um texto muito interessante, sobre as tendências do marketing e consumo contemporâneos, publicado no portal brasileiro Consumidor Moderno. Confira no link:  http://bit.ly/MAlxNP.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Papa Francisco na capa da "Rolling Stone"


O Papa Francisco é tema de capa da “Rolling Stone”, uma revista norte-americana de música e cultura popular, consumida pelo público jovem, que está à venda, a partir de sexta-feira. É o reconhecimento internacional de que o Papa Francisco, além de líder religioso, é também uma figura da cultura popular contemporânea. E mais um excelente momento de comunicação do Vaticano e dos tempos de mudança que estão a ser promovidos por Jorge Mario Bergoglio.
O jornalista Mark Binelli esteve no Vaticano para fazer um retrato do Papa argentino, de 77 anos, tendo percebido que o líder da Igreja Católica está a romper com as tradições do Vaticano, promovendo aquilo que classifica como uma “revolução gentil” – que é muito bem vista pelos católicos de todo o mundo.
Em menos de um ano desde que começou o seu pontificado, conta a “Rolling Stone”, o Papa Francisco tem feito muito para separar-se de papas anteriores e estabelecer-se como papa do povo. Foi por isso que optou por não residir no palácio papal, escolhendo a casa de hóspedes do Vaticano, libertando-se, assim, do isolamento de clérigos do Vaticano. Ele optou também por utilizar um carro Ford Focus, nas suas pequenas deslocações em Roma, em vez de uma limusine com motorista. Além disso, o papa paga as suas próprias contas de hotel. Outras informações da “Rolling Stone” no link: http://rol.st/Mnjr3G.

sábado, 25 de janeiro de 2014

As mulheres como elas são


Pouco conhecida fora dos Estados Unidos, a marca de lingerie Aerie transformou-se em assunto falado no mundo inteiro. A fabricante de moda íntima teve uma ideia alinhada com o marketing contemporâneo: convidou mulheres normais, e não modelos, para as suas campanhas de publicidade e afirmou que irá eliminar das suas campanhas o recurso a programas de tratamento de imagem que transformam as modelos em seres de grande beleza estética que não existem na realidade. Confira: http://abr.ai/1asVbI0.
Sob o lema “The real you is sexy” (ou seja, “Você é naturalmente sexy”, em português), a campanha da Aerie põe em evidência as fragilidades de uma comunicação publicitária que nos vende o sonho e nos mostra uma realidade que não encontramos na nossa vida de todos os dias. É um sinal dos novos tempos da comunicação. Cada vez mais informados, cada vez mais exigentes e saturados de estereótipos, os consumidores não deixaram de comprar o sonho, mas reagem melhor a uma comunicação verosímil. Afinal, o chamado Marketing 3.0 entende o consumidor como um ser humano completo, dotado de coração, mente e espírito, enquanto que, no passado, entendia o consumidor como alguém distante que comprava para suprir necessidades físicas – e que reagia mais facilmente a qualquer estímulo externo que acionasse o processo de decisão de compra.
É por isso que, agora, as mulheres devem aparecer nas imagens publicitárias como são na realidade, e não como seres humanos esteticamente perfeitos ou modelos que, na realidade, não são como o anúncio publicitário mostra. Os consumidores do século XXI lutam por um mundo melhor, o que inclui comprar um produto como ele é. Portanto, não suportam artimanhas de computador que, no fundo, transformam a realidade e promovem o embuste.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A saia da assessora do Presidente e o jornalismo do nada


Na condecoração do melhor jogador de futebol do mundo, Cristiano Ronaldo, as televisões e os jornais portugueses chamaram a nossa atenção para a saia que a assessora do Presidente da República para a Juventude, Carla Mouro, exibiu na cerimónia. Os editores destas notícias sobre o nada continuam a julgar que, mostrando um pouco mais da coxa, escrevendo e falando sobre ela, conseguem mais audiências. 
Num registo evidentemente machista e incompetente, o repórter de uma televisão até destacou a “empatia” entre a assessora e Cristiano Ronaldo – pouco faltou para falar em romance... – e frisou que o atleta formado no Sporting Clube de Portugal foi “sempre acompanhado de perto por Carla”, como se a consultora de Cavaco Silva para o Desporto não estivesse a trabalhar e a cumprir bem a sua função. Pior ainda: o mesmo repórter ignorou completamente a “empatia” entre o jogador e o chefe da Casa Civil do Presidente, Nunes Liberato (confira as imagens aqui: http://youtu.be/Y2JsQU4VyRw).
Face à ausência, em Portugal, de um “jet-set” que seja capaz de gerar conteúdo para tanta página vazia, ou para tanto minuto ocioso na televisão, constroem-se estas histórias sem história, que criam uma realidade paralela. É mais um momento daquilo que considero ser o jornalismo do nada. No caso, estamos perante uma história cuja construção e divulgação só servirá para inibir as mulheres portuguesas de se apresentarem bem em cerimónias públicas.
Mas não só. Para outros ramos de atividade é assim que os negócios também fluem. À boleia da saia curta de Carla Mouro – escolhida, aliás, com bom gosto, para destoar positivamente entre tantos fatos escuros –, o “Jornal de Notícias”, por exemplo, tratou logo de ouvir especialistas em imagem e protocolo, que assim foram promovidos gratuitamente, apesar do preconceito das suas opiniões. Deve ser bom para a economia. Confira: http://bit.ly/1c0D9M6. Fotografia: Gustavo Bom / Global Imagens.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Investimento em marketing. Tendências para 2014


Um estudo da multinacional de marketing e comunicação digital Exact Target indica que 70% dos profissionais de comunicação aumentarão os investimentos em marketing digital em 2014. O relatório State of Marketing 2014, baseado na audição de mais de 2500 profissionais de marketing e comunicação, mostrou que os investimentos serão feitos em tecnologias para análise de dados (61%), automação de marketing (60%), e-mail marketing (58%), mídias sociais (57%) e gerenciamento de conteúdo (57%). 
Em minha opinião, estas tendências de investimento, apontadas pelos profissionais, podem ser o reflexo da incerteza quanto aos resultados da comunicação em ambiente digital, por parte de muitas marcas e organizações, as quais evidenciam a necessidade de conhecer melhor os seus públicos digitais, tendo em vista uma comunicação mais eficaz. Para uma empresa, só uma comunicação bem dirigida aos públicos-alvo é suscetível de se transformar em fonte de vendas ou negócios geradores de resultados económicos. Daí que a maioria dos profissionais aponte como prioridade o investimento em tecnologias de análise de dados. Como sempre, ter informação é ter poder. Neste caso, ter o poder de conhecer o mercado para produzir bem e comunicar melhor. O estudo está disponível para download gratuito. Confira: http://bit.ly/1dkLU2v.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

François Hollande em maus lençóis


Quando os assuntos privados colidem com a imagem pública de um político e entram no espaço público deixam de ser assuntos privados para se transformarem em assuntos públicos. Logo, do interesse de todos. Depois, tudo depende da estratégia de comunicação. Mas há casos em que não há estratégia de comunicação que resista. A traição conjugal é um deles. É por isso que o Presidente da França, o socialista François Hollande  que nesta terça-feira terá 600 jornalistas pela frente , se encontra em muito maus lençóis. Na imagem, Hollande e a companheira oficial dos últimos anos, a jornalista Valérie Trierweiler, hospitalizada por causa de uma depressão na sequência deste caso que está a abalar a política francesa. Confira: http://bit.ly/1iHAyb2.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A morte de Eusébio e a informação televisiva


Portugal deve ser o único país do mundo civilizado onde os serviços de notícias, ou telejornais, das televisões em sinal aberto têm hora para começar, mas não têm hora para terminar. Sejam na televisão pública ou nas televisões privadas.
No pequeno mercado português dos “media”, a “informação televisiva” é, muitas vezes, sinónimo de emissões intermináveis de relatos vazios ou inconsequentes sobre o nada e de perguntas muitas vezes mal formuladas e respostas sem nexo de protagonistas que não têm nada a acrescentar sobre o acontecimento. Foi esta informação sem conteúdo que ganhou estatuto e interesse entre os editores de informação, de tal modo que se transformou em motivo de guerrilha entre canais pela conquista de audiências. Em tempos, até a hora de início dos três telejornais das 20h00 foi motivo de grande polémica, tendo sido necessária a intervenção de organismo regulador, porque, simplesmente, havia canais que tinham prazer em enganar os telespectadores, iniciando o serviço de notícias antes das 20h00 agendadas só para agarrar o público que já estava a ver a novela das 19h00. Uma concorrência absolutamente patética.
A RTP1, a RTP2, a SIC e a TVI não são canais de informação, nem as suas redações estão preparadas para trabalhar com as exigências técnicas e profissionais dos canais de notícias, mas, muitas vezes, atuam como se fossem canais de informação, embora sem que se vislumbre algum critério editorial a não ser o critério das imagens espetaculares, propagandeadas por “teasers” sucessivos antes dos intervalos publicitários para prender ao aparelho o incauto do telespectador – como se as notícias fossem objetos de consumo. Deste modo, degrada-se a qualidade do jornalismo e a informação televisiva perde credibilidade e importância social. Curiosamente, essa degradação agrada aos vários poderes, em particular ao poder político. Mas isso é outra conversa.
Se este cenário pode ser assistido em dias normais – em que as televisões desinformam o telespectador através da promoção da selva mediática, em vez de orientá-lo com o essencial da informação mais importante do dia – tudo piora nos dias de cobertura de grandes acontecimentos. Foi o que aconteceu por estes dias, com a notícia da morte do futebolista Eusébio e respetiva cobertura televisiva das reações, do velório e das cerimónias fúnebres do antigo jogador de Portugal e do Benfica. Foram diretos sobre diretos, com muitas lágrimas, muita comoção e muitas opiniões sem interesse nenhum, ou repetições de imagens e declarações que os portugueses puderam ver em doses cavalares ao longo de horas e horas, fazendo de Eusébio um homem único sem o qual Portugal não teria existido. E transformando todos os canais numa espécie de “Benfica TV”. A verdade é que cobertura da morte de Eusébio construiu uma realidade mediática própria ao ter feito desaparecer das televisões toda a atualidade informativa que não fosse sobre o morto. E, no entanto, mesmo Portugal estando de luto, a vida continuou, em todas as suas vertentes, a chuva não deixou de cair e o mundo avançou.
Podemos dizer que, mais uma vez, os editores televisivos perderam a noção da realidade, deixaram-se arrastar pela emoção do acontecimento e perderam a capacidade de editar o manancial de informação de que dispunham sobre Eusébio, em função de imagens, notícias, entrevistas, reportagens e outros conteúdos. Ora, quando um meio de comunicação perde a capacidade de editar deixa de cumprir o seu papel na sociedade. Editar dá muito trabalho e implica capacidade de decisão, bom gosto, sobriedade, objetividade e muito bom senso. Editar significa separar o trigo do joio, separar o que interessa do que não interessa, em suma, editar significa hierarquizar a informação segundo o posicionamento editorial de cada meio de comunicação, oferecendo ao público o essencial para sua informação. Doutro modo, não estamos a orientar o público e a facilitar a compreensão da realidade, correndo o risco de desinformar, intoxicar e confundir o público.
Mesmo em situações de grandes acontecimentos de interesse público, um telejornal de um canal generalista não pode deixar de ser um telejornal, oferecendo ao público toda a informação do dia. E por muito grande que seja um acontecimento, só muito raramente ele poderá ser susceptível de alterar o tempo de duração de um telejornal. De resto, em ocasições muito especiais, há sempre a possibilidade de ser aberta uma emissão especial, com uma duração temporal previamente fixada, para que o público possa saber com o que vai contar na sua televisão. E assim ganhariam todos. O canal de televisão ganharia credibilidade e o telespectador sentir-se-ia respeitado.