domingo, 27 de maio de 2012

O "Jornal de Notícias" e a doação de órgãos

Na sua edição deste domingo, dia 27, o “Jornal de Notícias” revela que a família de uma jovem estudante da Universidade do Minho, que morreu no hospital dias depois de ter sido atropelada, decidiu doar os órgãos da vítima. A notícia começa mesmo por dizer que a família da estudante “deu indicações à equipa clínica” para que "recolha todos os órgãos passíveis de serem doados".
Eis um exemplo flagrante de uma notícia falsa, ou de uma não-notícia, que um jornal popular apresenta como sendo uma grande notícia, aliás, com título na sua primeira página e grande destaque na edição online (ver aqui).
A questão é que a lei portuguesa pressupõe que todos os cidadãos adultos sejam dadores de órgãos, a não ser que se inscrevam como não-dadores no Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA), disponível em todos os centros de saúde. Portanto, nenhuma família dá indicações a uma equipa médica para que os órgãos de um familiar que tenha morrido sejam doados. É uma questão do foro individual, regulada pela legislação. A família apenas recebe a informação de que os órgãos serão doados, caso isso aconteça.
Por isso, não é de admirar que as tiragens e as vendas dos jornais continuem a descer. E não adianta culpabilizar a Internet e as suas notícias gratuitas pelos males do mundo. O problema reside, em grande escala, em cada jornalista e em cada jornal. Com os erros grosseiros que se praticam todos os dias, o que é surpreendente é que haja jornais que resistam a tanta falta de rigor.
Infelizmente, a tendência de descida das vendas de jornais vai continuar.Porque os leitores são consumidores cada vez mais informados e cada vez mais exigentes. Por isso, cada vez mais, deixam de comprar gato por lebre.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Vicente Jorge Silva e as pressões sobre o "Público"


“Se é verdade, é uma ameaça intolerável. Mas não surpreendente. Há sempre uma figura politiqueira nos governos. Agora é Relvas, antes era Jorge Coelho. Os jornais e os jornalistas têm de se dar ao respeito. Não é nos tribunais que estas coisas se resolvem. Sempre fui contra processos judiciais desta natureza. Um jornal defende-se nas suas colunas. A direcção do ‘Público’ devia ter reagido mais cedo, e não reagiu. Por isso, não é só o ministro que sai fragilizado. É também o jornal.”

Vicente Jorge Silva, fundador e director do “Público”, entre 1990 e 1997, sobre o caso das alegadas pressões do ministro Miguel Relvas sobre os jornalistas do “Público”, “Visão”, 24-05-2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Manolo Vidal, o Leão da Galiza



Todos o conheceram como “um homem do Sporting”, mas Manolo Vidal (1930-2012), que morreu nesta terça-feira, com 82 anos, na cama do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, era, sobretudo, um homem de negócios. Embora nascido em Lisboa, considerava-se tão galego quanto os seus antepassados. Foi no futebol que se distinguiu, como atleta e dirigente do clube de Alvalade, mantendo sempre o controlo sobre os negócios que herdou do pai e dos tios.
Recentemente, Manolo Vidal foi tema no blogue COMUNICAÇÃO INTEGRADA pelo facto de ter sido alvo de um caso de violação da sua privacidade e do seu direito à imagem na cama do hospital, com uma divulgação da sua fotografia, através do Facebook de um médico amigo, mostrando-o já muito debilitado (ver aqui e aqui).
A ligação ao Sporting Clube de Portugal começou na infância. Começou a ver os jogos do Sporting com o pai e o tio no Campo Grande, em 1933. Jogou futebol nos juniores do clube e mais tarde nos seniores, sem nunca ter deixado o seu emprego. Começou no dirigismo do Sporting com apenas 25 anos de idade e esteve ligado ao arranque do futsal em Portugal. Foi ainda delegado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional logo no seu primeiro de existência, tendo sido considerado, um dos melhores delegados da Liga.
Em 1976, ingressou no futebol formação do Sporting, a convite de César Nascimento, outra grande figura da formação do Sporting, e, em 1979, passou a integrar o futebol profissional onde tem obra meritória, tendo designadamente ajudado a ganhar os campeonatos nacionais de 1980, de 2000 e 2002 e a Taça e Supertaça também de 2002.
Na temporada 1999-2000, ficou célebre o seu confronto verbal com Pinto da Costa, de que o dirigente sportinguista saiu vitorioso,pois foi o Sporting a festejar o título nacional, o que não acontecia há 18 anos (ver aqui).
Em 1976, ingressou no futebol formação do Sporting, a convite de César Nascimento, outra grande figura da formação do Sporting, e, em 1979, passou a integrar o futebol profissional onde tem obra meritória, tendo designadamente ajudado a ganhar os campeonatos nacionais de 1980, de 2000 e 2002 e a Taça e Supertaça também de 2002.
Manolo Vidal assistiu ao lançamento da primeira pedra da Academia Sporting, tendo participado entusiasticamente na sua inauguração em 2002. No ano seguinte foi o primeiro delegado do Sporting, ao primeiro jogo disputado pela equipa principal no actual Estádio José Alvalade. Apaixonado pelo Sporting, Manolo Vidal considerava que o clube lhe tinha dado tudo.
Dos seus familiares, oriundos da Galiza, Manolo Vidal herdou padarias e caixotarias. Também geriu uma papelaria, uma firma de vidros e cristais e uma empresa de marketing, a InExtremis. Os antepassados não eram tão dotados para a bola mas jogavam em várias frentes: “O meu pai, que tinha estado primeiro no Brasil, deixou padarias”. Os tios tinham descoberto “a galinha dos ovos de ouro”: a embalagem”, contou Manolo Vidal, em tempos, entrevistado pelo “Correio da Manhã” (ver aqui). Os galegos eram muitas vezes moços de fretes. Trabalhavam nas mudanças, no transporte. Ora, não havia ninguém especializado em fabricar embalagens de madeira à medida das necessidades. Os familiares de Vidal montaram uma oficina na Rua dos Douradores. A arte ganhou um nome: caixotaria. FOTO: "A Bola"

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Papa e Benetton fazem as pazes


O blogue COMUNICAÇÃO INTEGRADA é um espaço sobre temas das Ciências da Comunicação. Logo, não poderia ter deixado passar em claro a última campanha publicitária da Benetton (ver aqui). Como sempre, uma campanha provocadora e, claro, polémica. Intitulada “Unhate” (sem ódio, em português), foi lançada em novembro de 2011 e mostrava um conjunto de fotomontagens de líderes políticos e religiosos mundiais a beijarem-se na boca. Um deles era o papa Bento XVI, que aparecia a beijar o imã da mesquita Al-Azhar no Cairo.
O Vaticano foi a única organização que reagiu mal, tendo recorrido à justiça. Nesta quarta-feira, Federico Lombardi, porta-voz de Josef Ratzinger e do Vaticano, anunciou o fim do litígio com a marca de vestuário italiana. No âmbito do acordo ficou o compromisso de banir as polémicas imagens do Papa, designadamente da Internet. Segundo o comunicado divulgado por Federico Lombardi, o grupo Benetton "oferece os seus serviços para pôr fim ao uso subsequente da imagem por terceiros na Internet e em outros contextos" (ver aqui).
Estou curioso para ver como é que as imagens em causa vão desaparecer do espaço público digital. Pela minha parte, fico à espera de ser notificado pela Benetton.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Santuário de Fátima em plena Amazónia


Em Belém do Pará, onde o rio Amazonas, o maior do mundo, se aproxima do Oceano Atlântico, no Norte do Brasil, há um santuário de Nossa Senhora de Fátima. Neste sábado, juntaram-se 200 mil pessoas para rezar o terço numa procissão de velas, gerando imagens impressionantes, que escapam aos meios de comunicação portugueses (ver aqui e ver aqui). Algo que escapa à agenda mediática portuguesa. E não devia escapar.
Isto, que acontece a cerca de 10 mil quilómetros de Portugal, só vem de encontro a uma ideia que tenho defendido: o dia 13 de Maio deveria ser feriado em Portugal (ver aqui). Porque Fátima é em Portugal. Mas a Igreja portuguesa só está interessada em manter os feriados que tem, mesmo que não digam nada às pessoas. E o Governo não percebe o alcance e a força de uma marca como “Fátima” ao nível do turismo cultural e religioso. Logo, da economia.
Entretanto, igualmente no Brasil, é notícia a inauguração daquela que é apontada como sendo a maior estátua também de Nossa Senhora de Fátima no País, com 27 metros de altura. Está situada em Guaramiranga, a 110 quilómetros de Fortaleza, terra de boa cachaça para caipirinha, na zona serrana do Ceará (ver aqui). Mas há mais: no Estado de Santa Catarina, um dos mais desenvolvidos do Brasil, no Sul, foi inaugurada outra estátua gigante da Senhora de Fátima, como relata o jornalista português Graciano Coutinho, no blogue "Portugal Sem Passaporte" (ver aqui) e também num portal informativo de Siderópolis, o município que passou a acolher mais um sinal de devoção a Fátima (ver imagens aqui).

sábado, 12 de maio de 2012

Galp discrimina funcionários


Ainda estou a recuperar do estado de choque. Ao princípio da noite desta sexta-feira, a gasolina do meu carro acabou, numa cidade do Norte de Portugal, e tive de ir a um posto de combustíveis da Galp – uma das empresas lusitanas controladas pela angolana Isabel dos Santos. Ao pagar, reparei que a única funcionária a trabalhar ao balcão ostentava no peito um crachá apenas com a palavra “Experiência”. Como achei um nome demasiado original, para não dizer estranho, perguntei para ter a certeza: “O seu nome é Experiência?”
“Não, estou à expriência. Temos que usar isto...” Notei o incómodo da funcionária e fiquei escandalosamente esclarecido. Pelo menos naquele posto de combustíveis da Galp Energia os funcionários que estão à experiência não são pessoas com nome. São coisas que estão à experiência. São experiências. Provavelmente para usar e deitar fora. Ou não. Não sabemos.
Do ponto de vista da comunicação interna da empresa petrolífera, para além de ser feio etiquetar um funcionário como “Experiência”, considero estarmos perante uma forma de discriminação laboral inaceitável, mais a mais numa empresa que ainda é participada pelo Estado português. Deste modo, a Galp Energia demonstra ter funcionários de primeira e funcionários de segunda, contribuindo para um mau ambiente no trabalho, marginalizando todos aqueles que têm ali uma oportunidade profissional, ainda que precária, dificultando a sua integração laboral.
O que os consumidores querem é ser bem servidos por pessoas que tenham nome e não por “experiências” sem nome. No caso da Galp, essas pessoas são um dos grandes activos da empresa, uma vez que passa por elas a prestação de bons serviços aos clientes. Logo, todas devem estar motivadas para servir bem e cada vez melhor. Se o funcionário está na empresa há 2 anos ou há 2 dias é um problema que não é da conta do cliente. O serviço tem de ser prestado e bem prestado por pessoas devidamente identificadas e não por coisas que estejam à “experiência”.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Como acabar com o analfabetismo mediático


Há um aparelho doméstico que, para muita gente, é a única grande companhia diária. Refiro-me à televisão, que, ao longo da segunda metade do século XX, se tornou em mais um membro do agregado familiar.
Muitas vezes, a televisão é o único elemento da casa que fala e estabelece comunicação com o auditório. Uma comunicação unidireccional e vertical, de cima para baixo. Uma comunicação de uma só via.
A televisão não faz perguntas, só dá respostas. Tem, por isso, um poder imenso. É esse poder que os cidadãos têm de desconstruir. Não só o poder da televisão, como o poder dos jornais, da rádio e do gigantesco espaço de oportunidades que é a Internet.
A desconstrução desse poder só pode ser feita através da educação mediática, que os Estados deveriam promover. É urgente que as crianças, logo a partir do ensino básico, comecem a aprender a viver no complexo espaço mediático contemporâneo. E que possam, desde cedo, aprender a fazer uma análise crítica dos meios de comunicação e da Internet. É urgente que os adultos activos e os idosos também tenham acesso à educação mediática. Há estudos, nomeadamente na União Europeia, sobre este assunto. Mas só estudos e intenções (consultar aqui e aqui).
A falta de informação combate-se com informação. Não podemos permitir que haja franjas da sociedade continuadamente expostas aos perigos de um sistema mediático manipulador. Por isso, só com formação específica será possível eliminar o analfabetismo mediático, que constitui um grande empecilho ao desenvolvimento de uma sociedade e de um País.
Na sociedade mediática em que vivemos, a diferença não se faz entre ricos e pobres; a diferença faz-se entre quem tem acesso à Internet e quem não tem; a diferença faz-se entre quem sabe o que é uma notícia e quem não sabe; entre quem sabe o que é um artigo de opinião e quem não sabe; entre quem sabe o que é uma entrevista e quem não sabe; entre quem sabe a diferença entre uma reportagem e uma publirreportagem. A diferença está, no fundo, na nossa capacidade de aceder à informação e de interpretá-la.
Neste contexto, se não soubermos identificar a origem ou o enquadramento de uma notícia; se não soubermos contextualizar a opinião de um comentador; se não soubermos perceber por que é que um jornal chama um assunto à primeira página enquanto outro jornal o esconde, sem fotografia, no canto inferior direito de uma página par; se não soubermos, no fundo, ler um jornal, ouvir uma rádio ou ver uma televisão; se não soubermos tudo isso, ficamos de modo passivo à mercê da realidade que o sistema mediático nos atira permanentemente.

Obs. – Este é o quarto de uma série de textos criados a partir da minha comunicação sobre o poder dos “media” nas nossas vidas, na Universidade Lusófona do Porto, proferida no dia 30 de Abril de 2012, no âmbito da iniciativa nacional “Um Dia com os Media”.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A realidade feita pelos "media". O caso das notícias do tempo


A comunicação constrói uma realidade. E o sistema mediático alimenta-se de permanentes construções da realidade. A comunicação tanto induz a venda de uma marca de vestuário como o voto num candidato político. Ou o estado do tempo.
Por acção dos meios de comunicação, é cada vez mais difícil definir o que é a realidade. A realidade deveria ser o que existe de facto. Mas nos dias de hoje um acontecimento existe, ou deixa de existir, caso seja difundido ou não pelos meios de comunicação. Os “media” têm, por isso, o poder de instituir o que existe ou não existe; o que é real ou não é real. Os “media” dizem-nos o que existe e, por consequência, o que não existe, por não ser objecto de notícia.
Os “media” fazem um escalonamento da realidade, através do maior ou do menor destaque das notícias. Os “media” dão um valor aos acontecimentos e aos seus protagonistas, consoante os considera positivos ou negativos ou os ignora.
O caso das notícias sobre o estado do tempo climatérico é paradigmático. As televisões e os jornais têm espaços informativos específicos sobre o estado do tempo. Porém, esta semana, a subida da temperatura em Portugal é motivo de notícia em todos os canais de televisão. Como se uns dias de sol não fossem normais no mês de Maio. Mas o pior é que um canal de televisão como a RTP – que é uma estação pública, com obrigações de serviço público – faça reportagens sobre o estado do tempo, ouvindo as pessoas sobre como vão passar estes dias, como aconteceu nesta quinta-feira, no Algarve, numa “notícia” intitulada “Verão tímido no Algarve”.
Trata-se, evidentemente, de uma realidade que só passou a existir porque foi construída pela RTP. Na verdade, o Verão não está nada tímido no Algarve. Na verdade, estamos na Primavera. Na verdade, o Verão só começa durante a segunda quinzena de Junho, daqui a mais de um mês.
É na mesma linha da construção de realidades que os “media” falam em “vaga de frio” quando a temperatura desce ou em “vaga de calor” quando a temperatura sobe. E as audiências são influenciadas por esta capacidade manipuladora – tanto mais que a agenda dos temas sobre os quais falamos com os nossos amigos é dominada pelos temas da agenda dos “media”. Se repararmos bem, a grande maioria dos temas e assuntos que são falados em casa, no Facebook, no trânsito, no trabalho e nos encontros sociais são colocados em discussão no espaço público pelos “media”. Neste sentido, os “media” são muito poderosos, pois determinam, em parte, o que deve ser falado e discutido.
É evidente que nós podemos discordar dos assuntos, podemos criticá-los e podemos não aceitá-los. Mas acabamos sempre por ser vítimas da força avassaladora dos meios de comunicação.
Outro exemplo dos tempos que correm: os “media” portugueses dão um espaço enorme à crise económica e financeira, às medidas de austeridade ou às actividades da “troika”, formada pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela União Europeia.
Sem sabermos, um editor sofisticado de um noticiário de televisão pode começar por colocar uma notícia sobre a crise portuguesa. De seguida, atira-nos uma reportagem sobre a crise grega e, depois, na terceira notícia, pode regressar a Portugal para anunciar mais um corte nos ordenados ou um aumento nos impostos. É com base em percepções criadas a partir das acções mediáticas que as pessoas, hoje, dizem que “isto está mal, mas ainda vai estar pior”.
Deste modo, temos os meios de comunicação a espalhar a cultura do medo, que segundo os mais recentes estudos de marketing político e de neuromarketing, também garante vitórias eleitorais e condiciona a nossa vida colectiva e as nossas expectativas quanto ao presente e quanto ao futuro.

Obs. – Este é o terceiro de uma série de textos criados a partir da minha comunicação sobre o poder dos “media” nas nossas vidas, na Universidade Lusófona do Porto, proferida no dia 30 de Abril de 2012, no âmbito da iniciativa nacional “Um Dia com os Media”.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Tarso Genro. Contra o poder neoliberal, marchar, marchar...


Tarso Genro, figura de referência do Partido dos Trabalhadores (PT), força política que lidera a coligação governamental brasileira de Dilma Roussef, aponta o dedo ao capital financeiro globalizado, responsabilizando-o pela grave crise que afecta a Europa, por ter capturado os Estados e os partidos políticos, deixando-os prisioneiros das dívidas públicas. Diz que a austeridade não resolve a crise e considera que o Banco Central Europeu deveria financiar os Estados e as empresas e não os bancos.
Em entrevista ao “Público”, conduzida pelos jornalistas São José Almeida e Nuno Pacheco, Tarso Genro, que esteve na génese dos Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre, foi ministro com Lula e refundou o PT depois do escândalo do “Mensalão”, sendo considerado um dos ideólogos da esquerda contemporânea, aponta também um caminho muito claro: os Estados têm de recuperar a sua força na produção de políticas públicas. No fundo, é preciso “substituir a utopia socialista do século passado pela utopia democrática altamente politizada”. Deixo aqui as linhas essenciais de um pensamento que considero iluminante.

“Todos estamos imersos num processo de globalização organizada pelo capital financeiro articulado mundialmente, que nos faz padecer de problemas análogos [no Brasil]. A nossa experiência de fazer o contraponto a esta dominação global é sair da crise crescendo, gerando empregos, fazendo uma transição da sociedade de baixo para cima com fortes instrumentos de inclusão social e educacional. A experiência brasileira diz-nos que adoptar a receita de recessão, de desemprego e de redução das funções públicas do Estado não é boa. Causa descoesão social, radicaliza a luta de interesses na sociedade, sectariza as lutas políticas e gera desconfiança da cidadania em relação à esfera da política e isso pode comprometer as instituições democráticas a médio e longo prazo.”

“Uma crise como a da Europa influi no Brasil. O que devemos é produzir bloqueios a esse contágio. Temos especificidades que podem formar um bloqueio forte. Temos um mercado interno em ascensão, que pode ser expandido por dez ou vinte anos. Temos riquezas naturais invejáveis e temos a possibilidade de combinar um modelo de desenvolvimento tradicional, originário da revolução industrial, do desenvolvimento clássico, com um desenvolvimento de ponta, de alta qualificação tecnológica. E temos organizações estatais muito fortes para organizar esse processo, como o Banco Nacional de Desenvolvimento, a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Económica Federal. O Estado brasileiro não foi depenado da sua capacidade de produção de políticas públicas. Isso dá-nos uma vantagem comparativa muito grande. E sabemos que não podemos apressar, que não podemos crescer 10% ao ano, não temos infra-estrutura que resista a isso. Podemos crescer 4 ou 5 % ao ano, sem surtos inflacionários e sem arriscar o processo de coesão social, que foi iniciado com o Presidente Lula.”

“A ideologia, a cultura e o modo de vida neoliberal constituem uma espécie de casca de uma sucessão de factos objectivos no desenvolvimento capitalista que teve duas consequências graves. A primeira é que o capital financeiro capturou os Estados e exerce uma força normativa brutal sobre os Estados, através do controlo que o capital financeiro tem das suas dívidas. Isto vem diminuindo a força normativa das Constituições e aumentando a do capital financeiro, obrigando que os Estados se organizem a partir do critério fundamental do pagamento da dívida. [A segunda] é que o projecto neoliberal produziu uma reorganização na estrutura de classes da sociedade, provocando uma espécie de fragmentação social muito maior do que acontecia no contrato social-democrático. Aí os sujeitos eram visíveis, eram as organizações sindicais das classes trabalhadoras, particularmente da classe operária, e as associações industriais que contratavam pactos sucessivos de desenvolvimento e de protecção social. Hojem, os trabalhadores e os partidos perguntam-se: quem são os sujeitos do contrato político e social actual? É o Banco Europeu? É a senhora Merkel como uma espécie de supervisora da União Europeia?”

“Um projecto alternativo tem de ser obra dos partidos políticos, que têm que se renovar e compreender que um programa para a esquerda tem que ser mundial. E, na minha opinião, baseado em dois pilares. A colocação, de novo, no centro, de uma visão de esquerda, da questão democrática, que está em risco na crise do projecto neoliberal. E tem que ser um projecto que aponte de maneira unitária para a recuperação das funções públicas do Estado. E isso significa retirá-lo da tutela do capital financeiro globalizado. Se isso não for feito, toda a política posterior a processos eleitorais irá conciliar com essa força normativa e nunca poderá aplicar o seu programa. Não é de graça que nós vimos sucessivos Governos de esquerda e sociais-democratas, com excepções na América Latina, a irem para o Governo e aplicarem as mesmas receitas do projecto neoliberal. O poder político que o capital financeiro exerce sobre os partidos, os bancos nacionais, os Estados, é incontornável.”

“O Banco Central Europeu poderia financiar as empresas e os Estados e não os bancos. Seria uma mudança extremamente importante. O financiamento aos países em crise devia ser canalizado para reorganizar a base produtiva.”

“Assim como o capital financeiro organizado capturou os Estados ele capturou também os partidos. Os partidos tornaram-se menos centros dirigentes e elaboradores de estratégias e mais passadores do pragmatismo necessário à sua sobrevivência. Não é uma questão de “maldade” dos partidos, é a força coerciva que é exercida pelo capital financeiro que vem destruindo a política – a política tem sido subsumida pela força do capital financeiro. E para que isso seja recuperado o primeiroa cto é um acto de consciência. Recorrendo a uma metáfora: temos de substituir a utopia socialista do século passado pela utopia democrática altamente politizada. E fazer com que os Governos e os partidos se possam comprometer com programas e cumpri-los. As boas construções sociais que o modelo social Europeu fez foi a partir de visões políticas.”


“Tenho sempre muita atenção com o centro democrático porque a nossa expriência no Brasil – e a actual situação europeia também coloca isso – é que é impossível fazer um Governo de mudança sem estabelecer um contrato político com o centro democrático que tem uma grande influência nos sectores médios da sociedade, que pode ser atraído para um projecto democrata, progressista  e que não seja a dogmática neoliberal. Eu ganhei a eleição na primeira volta pelo PT contra os socialistas e os comunistas e chamei os partidos de centro e de centro-esquerda para governar comigo, fiz uma coligação. Aqui em Portugal, por exemplo, estranhei que no 1º de Maio houvesse duas manifestações, uma da CGTP outra da UGT. Sem querer dar opinião e respeitando os partidos – até já conversei com o Presidente Cavaco Silva, que respeito –, pergunto-me se não era de os partidos do centro democrático e da esquerda e o Partido Comunista fazerem um acordo de meia dúzia de pontos para tirar o País da crise e da órbita da tutela normativa do banco central alemão... Esse acordo não iria valorizar a democracia e a república em Portugal?”

Tarso Genro, Governador do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), “Público”, 06-05-2012

domingo, 6 de maio de 2012

Família de Manolo Vidal censura médico da Cruz Vermelha


A família do antigo atleta e dirigente do Sporting Clube de Portugal Manolo Vidal, de 82 anos, condena o médico do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa que publicou no Facebook uma foto do antigo dirigente leonino doente na cama do hospital e quer que a fotografia seja “retirada imediatamente”. A situação foi revelada pelo blogue COMUNICAÇÃO INTEGRADA (ver aqui).
Na altura escrevi que não acreditava que tivesse havido consentimento de Manolo Vidal ou da família para que um doente com aspecto de moribundo fosse exposto como foi na página pessoal do médico. E mesmo com autorização, um médico não pode expor publicamente os seus doentes.
A verdade é que a fotografia chocou muita gente. Outras pessoas, sem questionarem a situação e movidas apenas pelo espírito solidário com a figura de Manolo Vidal, decidiram partilhar a fotografia. A verdade é que a imagem polémica está hoje em vários perfis nas redes sociais e em vários computadores pessoais. Foram feitas perto de 80 partilhas directas, a partir da página do médico no Facebook, e pelo menos, outras tantas repartilhas. Manolo Vidal foi mostrado com ar de sofrimento a todo o tipo de gente: amigos e conhecidos, mas também a eventuais inimigos e desconhecidos. Ou seja, a sua privacidade foi totalmente violada num momento de fragilidade física e psicológica. Ora, nenhum doente pode ser vítima de um caso destes. Doravante, se houver divulgação em blogues e sites, a imagem de Manolo Vidal que irá aparecer nos motores de pesquisa da Internet poderá ser a fotografia que o mostra doente ao lado de um médico com ar sorridente.
O caso chegou ao conhecimento da família de Manolo Vidal, que reagiu indignada. Victor Ollero, o seu filho mais novo, a residir em Espanha, teve conhecimento da divulgação abusiva da imagem do pai através do blogue COMUNICAÇÃO INTEGRADA, onde, num comentário já publicado, agradece “em nome da família ao Sr. Luís Paulo por ter feito esta denúncia”. E, “aos verdadeiros amigos e sportinguistas”, anuncia que já foram tomadas “as medidas para que este pseudomédico, se assim se lhe pode chamar, não volte a repetir com outros doentes o que fez com meu pai”. Por isso, solicita que a fotografia em causa seja “retirada imediatamente”, esperando que Manolo Vidal “ganhe este grande desafio e se recupere o mais depressa possível”.
Num e-mail que me enviou, Victor Ollero escreveu o seguinte:
“Meu caro amigo, sou um dos filhos de Manolo Vidal, o mais novo. Acabo de fazer um comentário no seu blogue, que espero que permita que seja visto. E aproveito para lhe agradecer, em meu nome e em nome da minha família, ter feito essa denúncia sobre esse ‘doctor’. Estaremos-lhe sempre agradecidos. E também dizer-lhe que eu vivo em Espanha, mas gostaria de ter o seu número de telefone para, na próxima vez que eu vá a Lisboa, eu poder entrar em contacto com o senhor Luís Paulo Rodrigues e agradecer-lhe pessoalmente. (…) Um grande abraço!”
Agradeço as palavras e o reconhecimento dos familiares de Manolo Vidal pela acção do blogue COMUNICAÇÃO INTEGRADA perante este caso. E espero que Manolo Vidal recupere do problema de saúde que o afecta.
Como editor de um blogue sobre comunicação, sinto que cumpri o meu dever. Fiz a análise de um caso que considerei pertinente trazer a público, por não ter dúvidas de que estava em causa um médico vaidoso que em vez de tratar da saúde do seu doente apenas cuidou do seu ego, violando a privacidade de Manolo Vidal e o seu direito à imagem. Espero que este caso sirva de exemplo para outros médicos e para outras famílias.
Este caso diz-nos também que as redes sociais não são brincadeira de miúdos. Uma fotografia no Facebook ou em outra rede social qualquer espalha-se muito rapidamente. O impacto é igual ou maior ao da publicação num jornal. Uma página no Facebook é um espaço público mediático como um jornal ou uma revista.

sábado, 5 de maio de 2012

A civilização do espectáculo


Vargas Llosa tem razão: “Seria uma tragédia que a Cultura acabasse em puro entretenimento". Di-lo em entrevista ao “El País”, a propósito do lançamento do seu último livro “La Civilización del Espectáculo”, uma reflexão sobre o caos em que se converteu a Cultura, onde “como não há forma de saber que coisa é a Cultura, tudo é e nada é”.
O escritor peruano, Nobel da Literatura em 2010, sentiu-se progressivamente incomodado com o “triunfo da frivolidade” e concluiu que a civilização do espectáculo tem vindo a anestesiar os intelectuais, a desarmar a imprensa e a desvalorizar a política, um “espaço onde ganha terreno o cinismo e se estende a tolerância até à corrupção”.
Fixemo-nos, primeiro, na anestesia. Servem-se hoje nos canais de TV, em doses superlativas, o futebol, as novelas, os concursos e, periodicamente, os “reality shows”. É a cultura do entretenimento. E, com ela – como se impressiona Llosa – os “chefs” de cozinha ou os estilistas de moda disfrutam agora do “protagonismo que antes tinham os cientistas, os compositores e os filósofos”. Ou seja, citando-o ainda: “As estrelas de televisão e os grandes futebolistas exercem a influência que dantes tinham os professores, os pensadores ou os teólogos.”
Esta estratégia, contudo, parece garantir generosas audiências – que se tornaram o objectivo predominante das empresas de televisão, incluindo a televisão pública. Se o espaço público está tão absorvido pela banalização das coisas, como estranhar que, perante esta “anestesia colectiva”, os actores políticos valorizem o acessório em lugar do essencial?
O discurso político segue um guião de frases feitas, ditadas pela conveniência do momento, em vez de resultar de um estudo sério, atento às realidades sociais. Escreve o Nobel peruano, bem a propósito, que o “desprestígio da política nos nossos dias não conhece fronteiras” devido, em parte, ao facto de o “nível intelectual, profissional e, sem dúvida, também moral da classe política estar em declínio”. Como não lhe dar razão quando observamos o vazio de ideias e a pobreza sem redenção de não poucos deputados que o jogo de espelhos partidário sentou em S. Bento?
O espectáculo mediático contamina as televisões, e a própria informação se ressente dessa tendência para a frivolidade. A irrelevância ocupa um tempo de antena absurdo, deixando os problemas do País a um canto, a marinar por entre histórias que são o biombo para ocultar as consequências de uma intervenção externa, que chegou no limite do irrespirável.
A civilização do espectáculo, que amalgamou a Cultura, que marginalizou o intelectual, e que ensinou os homens políticos a serem banais ou cínicos, é a porta aberta para uma deriva imprevisível, fragilizando o debate de ideias, favorecendo oportunismos, afastando os melhores.
Ora os vazios são sempre uma tentação para os menos escrupulosos. E as crises propícias à emergência de populismos e redicalismos. A primeira volta das eleições francesas terá sido um sinal de cansaço do eleitorado – mas foi, sobretudo, a vitória dos extremos. A civilização do espectáculo tem destes riscos.

Dinis de Abreu, jornalista português, antigo director do "Diário de Notícias", em crónica no jornal “Sol”, “27-04-2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Novas Tendências de Marketing na Universidade Lusíada


“Redes Sociais, Cultura de Convergência e Novas Tendências do Marketing”. Eis o tema de uma aula aberta que vou dar nesta sexta-feira, pelas 18h30, a alunos de Marketing da Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão e a quem puder aparecer, pois o acesso é livre. Entre outros exemplos de processos criativos de marketing e comunicação nas redes sociais vou falar em particular de três casos: a extraordinária transformação de Paulo Futre num valor publicitário, a partir de uma conferência de imprensa hilariante na campanha eleitoral para os órgãos dirigentes do Sporting Clube de Portugal; a original campanha de marketing e comunicação do azeite português “Andorinha” no Brasil, envolvendo meios tradicionais e digitais; e a magnífica campanha de promoção no Youtube do canal de cinema e séries TNT, na Bélgica.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Manolo Vidal está muito doente. Vi no Facebook...


Nesta quarta-feira recebi uma notícia que me deixou triste: Manolo Vidal, antigo jogador e dirigente do meu Sporting Clube de Portugal, que foi responsável pelo futebol de Alvalade quando o clube foi campeão nacional, em 1980 e 2000, está a lutar pela vida no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa. Igualmente triste foi o meio como soube dessa notícia: uma pessoa amiga enviou-me um “e-mail” para manifestar a sua indignação pelo facto de um médico do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa ter utilizado a sua página pessoal no Facebook para se mostrar ao mundo, sorridente, ao lado de um doente com aspecto de moribundo, numa cama do hospital, precisamente Manolo Vidal. Um caso grave e vergonhoso, porque demonstra uma enorme insensibilidade em relação a uma pessoa doente, que vê a sua privacidade violada de forma assustadora, dentro de um hospital.
Não acredito que Manolo Vidal, de 82 anos, tenha dado autorização para ser exposto desta maneira no Facebook, nem ele estaria em condições de dar essa autorização, dada a situação de debilidade em que se encontra. Assim como não acredito que o médico em causa, João Franklin Gonçalves, tenha agido por mal, pois, ao revelar-se amigo dele, deve ser dos primeiros a querer que Manolo Vidal recupere do seu problema de saúde, como, aliás, se deduz pelo teor da legenda que escreveu, no dia 28 de Abril (ver aqui): “Um grande e caloroso abraço a um grande sportinguista (e amigo!), a passar por momentos difíceis e a lutar pela vida! Força Manolo, que tens alma e garra de leão!!!”
De resto, ao reagir a críticas de internautas, o João Franklin Gonçalves dá a sua versão: “A foto (tirada com o seu consentimento!) pretende ser uma expressão de solidariedade humana e nada mais do que isso! Que fique bem claro que não houve qualquer "invasão de privacidade"”, considera o médico, num dos comentários que publicou no seu Facebook, que está acessível a todo o público. E o cirurgião remata o assunto desta forma: “Quem me conhece, sabe bem que eu nunca faria algo que pudesse afectar a privacidade ou bem-estar das pessoas ou doentes... End of story!!!” Muito loquente, o “senhor doutor”.
O caso está a provocar desagrado junto da comunidade sportinguista e de alguns amigos e subscritores do médico no Facebook. “Uma invasão da privacidade inqualificável”, considera Pedro Hélder Maia, acrescentando, referindo-se ao médico: “Embora não duvide das suas boas intenções, você devia pensar duas vezes e ter mais respeito pela pessoa que está a tratar.” O jornalista André Figueiredo, por seu turno, considera que “o senhor Manolo Vidal está fragilizado e não devia ser exposto desta forma”.
Mas há outra questão sensível além do direito que o doente tem à preservação da sua imagem. É que um médico, tal como um advogado, tem obrigações de sigilo profissional. Se um advogado não conta o crime que o seu cliente cometeu, um médico não pode mostrar um doente publicamente – seja conhecido ou anónimo. “Se os médicos desatarem a publicar doentes no Facebook, está o caminho aberto para a violação de direitos fundamentais”, adverte, por seu lado, o advogado António Gouveia Ferreira, de Vila Nova de Famalicão, que pergunta: “Onde fica o limite?”Mas há quem não dê importância ao caso: “Não me choca a foto. Se fosse publicada num jornal, podia levantar muitas questões, mas ao que parece foi no próprio mural do médico”, afirma a jornalista Rita Vaz da Silva. A questão é que uma foto publicada no Facebook até pode ser propagada muito mais facilmente do que através de um jornal impresso. Como foi, aliás, o caso da imagem de Manolo Vidal na cama do hospital.
Eis mais um problema suscitado pelos novos meios de comunicação digital, que partilho com os leitores do blogue COMUNICAÇÃO INTEGRADA. Um problema a convocar a atenção de todos os cidadãos sobre o seu comportamento na Internet e a demonstrar que as autoridades públicas governamentais deveriam apostar na educação mediática de toda a população – não só das crianças e jovens, mas também de adultos activos e idosos.

Obs. – Na imagem em cima, Manolo Vidal é o primeiro a contar da esquerda. A imagem é de 2001-2002, último ano em que o Sporting foi campeão nacional, com o treinador Lazlo Bolöni.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O dia em que até a RTP foi ao Pingo Doce


Com esta campanha de preços extraordinariamente baixos, que é própria de um País de pobres e miseráveis, o Pingo Doce só contagia quem se deixar contagiar e, também é verdade, quem não pode deixar de ser contagiado. Isto num dia em que todos deveriam estar em casa a descansar, vivendo em sossego o feriado do Dia do Trabalhador. A começar pelos trabalhadores do Pingo Doce.
Para muita gente, porém, já não há 1º de Maio. Até a insuspeita RTP, que é pública, o que significa que tem responsabilidades de serviço público em matéria de televisão, mandou um repórter para a porta do Pingo Doce de Telheiras, para que fossemos informados sobre as promoções do supermercado do grupo Jerónimo Martins. Não se tratou de publicidade encapotada. Era mesmo o "Jornal da Tarde", da RTP1. Era mesmo uma reportagem. Deve ter sido para agradecer à família Soares dos Santos a recente transferência de capital para uma subsidiária do grupo na Holanda.
Por mim, e quanto a supermercados, continuo a fazer compras no LIDL, que é uma das coisas boas que a Alemanha meteu em Portugal. Tem marcas próprias, tem bons produtos e fortalece a economia portuguesa, não só os produtores locais, como os armazenistas que não têm acesso à grande distribuição. Parafraseando a publicidade do Pingo Doce, é no LIDL que sabe bem pagar tão pouco. O resto é conversa.

Guerra nas revistas. “Penthouse” provoca a “Playboy”


Com o prometido regresso às bancas da edição portuguesa da “Playboy”, depois de uma primeira série falhada, em que sobraram trapalhadas com o “cachet” de algumas famosas que se despiram nas páginas da publicação, a competição no mercado das revistas masculinas está ao rubro em Portugal.
A “Penthouse”, que é concorrente directa da “Playboy”, lançou uma campanha de marketing inédita, oferecendo um DVD com “coelhinhas” da “Playboy” que acompanha a sua edição do mês de Maio. Uma jogada inovadora e, sobretudo, provocadora, jamais vista entre meios de comunicação em Portugal.
A “Penthouse”, que é editada no País desde Novembro de 2010, foi posta à venda na última semana, mantendo o preço de capa de 4,99 euros, sendo que 10 mil dos 30 mil exemplares distribuídos serão brindados por “um sortido de 13 títulos diferentes, entre eles alguns dos melhores vídeos editados pela ‘Playboy’”. “Com o nome de guerra ‘Duas coelhinhas de uma cajadada só’, esta acção de marketing de guerrilha tem como objectivo reforçar a posição da ‘Penthouse’ enquanto líder do mercado das revistas masculinas em Portugal, com uma média de 16.157 mil exemplares vendidos em banca em 2011”, refere José Mascarenhas, director da “Penthouse”, revista que não integra a Associação Portuguesa para o Controlo da Tiragem e Circulação (ver aqui, notícia no “Meios & Publicidade”).
Entretanto, a “Playboy” está de regresso neste mês de Maio, prometendo mostrar a actriz Rita Pereira. Mostrar, sim, mas com alguma roupa (ver aqui, notícia no “Correio da Manhã”). Como diz o director da “Penthouse”, José Mascarenhas, a actriz Rita Pereira será só mais uma das “pseudo-famosas portuguesas cheias de pudor”. Mas os pais de Rita Pereira terão adorado a produção, segundo revelou a actriz (ver aqui, notícia no “Diário de Notícias”).
Já na capa da “Penthouse”, revista que procura explorar caras novas, está Carla Sampaio, uma modelo de Viseu, desconhecida do público. “Não é a Rita Pereira, mas podia muito bem ser a nossa vizinha gira do lado e isso é muito mais interessante do ponto de vista do imaginário masculino”, sublinha José Mascarenhas, dando mostras de saber o que faz e do que fala (ver aqui, notícia no “Briefing”).

O sistema mediático é como uma faca de dois gumes



Com a democratização do telemóvel e do acesso à Internet, grande parte da população passou a viver em rede, num grande sistema mediático, que continua a ser baseado nos meios de comunicação tradicionais – o jornal, a rádio e a televisão –, mas que agora conta com a comunicação própria e cada vez mais profissionalizada de governos, de empresas e organizações, públicas e privadas, cujas mensagens chegam até nós sem pedir licença, em regime contínuo, desde que acordamos até ao momento em que nos deitamos.
Hoje, vivemos num sistema mediático sem fronteiras, onde todos comunicam com todos. Partilhamos textos, sons e imagens. Conversamos, trabalhamos, namoramos, ouvimos música e trocamos correspondência. Damos a nossa opinião no “site” do jornal, da rádio ou da televisão – que antes não abriam espaço à interacção. Recebemos notícias, imagens, opiniões e motivos de entretenimento, mas também podemos difundir as nossas notícias, as nossas opiniões, as nossas imagens, os nossos sons. Somos, ao mesmo tempo, consumidores e produtores de informação.
Viver nesta gigantesca aldeia global não é fácil e exige muito de todos nós, quer sejamos profissionais de informação e de comunicação ou meros consumidores.
Para nós, enquanto consumidores de informação e entretenimento, o sistema mediático é como uma faca de dois gumes, que tem lâmina cortante dos dois lados. Se não soubermos utilizar a faca correctamente, um dos lados da lâmina pode ferir-nos. A utilização que fazemos do sistema mediático também requer a nossa melhor atenção.
Lendo jornais, ouvindo rádio e vendo televisão, nós ficamos a saber mais coisas sobre a nossa terra, sobre o País e sobre o mundo. Teoricamente, ficamos a compreender o que acontece sobre aquilo que nos interessa, mas nem sempre é assim. Muito poucas vezes é assim.
A hierarquização da informação é de ordem subjectiva. É essa subjectividade que contribui para estabelecer algumas diferenças entre meios de comunicação. Também é essa subjectividade que molda o nosso pensamento e a opinião que temos das decisões de um Governo ou de um tribunal.
Um texto noticioso implica uma selecção vocabular e um ordenamento dos factos que são influenciados por múltiplos factores de ordem subjectiva. Com a hierarquização das notícias num jornal ou num telejornal acontece precisamente o mesmo. É um processo subjectivo, que depende de múltiplos e variados factores, a começar pela formação e pela sensibilidade de quem está a decidir. É com essa subjectividade que os “media” ditam as prioridades de debate no espaço público, moldando a nossa vida e a nossa opinião sobre a realidade. Numa sociedade de massa, o poder dos “media” assenta na sua capacidade de manipular a opinião pública, de ditar regras de comportamento e de influenciar nas escolhas dos indivíduos e da própria sociedade. É um grande poder. É um poder muito apetecível.

Obs. – Este é o primeiro de uma série de textos curtos criados a partir da minha comunicação sobre o poder dos “media” nas nossas vidas, proferida na Universidade Lusófona do Porto, nesta segunda-feira, 30 de Abril, no âmbito da iniciativa nacional “Um Dia com os Media”.