Vargas Llosa tem razão: “Seria uma tragédia que a Cultura acabasse em puro entretenimento". Di-lo em entrevista ao “El País”, a propósito do lançamento do seu último livro “La Civilización del Espectáculo”, uma reflexão sobre o caos em que se converteu a Cultura, onde “como não há forma de saber que coisa é a Cultura, tudo é e nada é”.
O escritor peruano, Nobel da Literatura em 2010, sentiu-se progressivamente incomodado com o “triunfo da frivolidade” e concluiu que a civilização do espectáculo tem vindo a anestesiar os intelectuais, a desarmar a imprensa e a desvalorizar a política, um “espaço onde ganha terreno o cinismo e se estende a tolerância até à corrupção”.
Fixemo-nos, primeiro, na anestesia. Servem-se hoje nos canais de TV, em doses superlativas, o futebol, as novelas, os concursos e, periodicamente, os “reality shows”. É a cultura do entretenimento. E, com ela – como se impressiona Llosa – os “chefs” de cozinha ou os estilistas de moda disfrutam agora do “protagonismo que antes tinham os cientistas, os compositores e os filósofos”. Ou seja, citando-o ainda: “As estrelas de televisão e os grandes futebolistas exercem a influência que dantes tinham os professores, os pensadores ou os teólogos.”
Esta estratégia, contudo, parece garantir generosas audiências – que se tornaram o objectivo predominante das empresas de televisão, incluindo a televisão pública. Se o espaço público está tão absorvido pela banalização das coisas, como estranhar que, perante esta “anestesia colectiva”, os actores políticos valorizem o acessório em lugar do essencial?
O discurso político segue um guião de frases feitas, ditadas pela conveniência do momento, em vez de resultar de um estudo sério, atento às realidades sociais. Escreve o Nobel peruano, bem a propósito, que o “desprestígio da política nos nossos dias não conhece fronteiras” devido, em parte, ao facto de o “nível intelectual, profissional e, sem dúvida, também moral da classe política estar em declínio”. Como não lhe dar razão quando observamos o vazio de ideias e a pobreza sem redenção de não poucos deputados que o jogo de espelhos partidário sentou em S. Bento?
O espectáculo mediático contamina as televisões, e a própria informação se ressente dessa tendência para a frivolidade. A irrelevância ocupa um tempo de antena absurdo, deixando os problemas do País a um canto, a marinar por entre histórias que são o biombo para ocultar as consequências de uma intervenção externa, que chegou no limite do irrespirável.
A civilização do espectáculo, que amalgamou a Cultura, que marginalizou o intelectual, e que ensinou os homens políticos a serem banais ou cínicos, é a porta aberta para uma deriva imprevisível, fragilizando o debate de ideias, favorecendo oportunismos, afastando os melhores.
Ora os vazios são sempre uma tentação para os menos escrupulosos. E as crises propícias à emergência de populismos e redicalismos. A primeira volta das eleições francesas terá sido um sinal de cansaço do eleitorado – mas foi, sobretudo, a vitória dos extremos. A civilização do espectáculo tem destes riscos.
Dinis de Abreu, jornalista português, antigo director do "Diário de Notícias", em crónica no jornal “Sol”, “27-04-2012
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