segunda-feira, 11 de abril de 2011

A informação radiofónica em directo. O caso da TSF


O arranque das emissões da rádio TSF – Rádio Jornal, na manhã de 29 de Fevereiro de 1988, constituiu um momento “revolucionário” e “único” na história da rádio e da comunicação social portuguesa, tendo suscitado um enorme interesse e curiosidade, em função daquilo que a estação, fundada por uma equipa de jornalistas experientes, liderada por Emídio Rangel, trouxe de realmente novo ao jornalismo radiofónico nacional: a informação em directo.
A TSF fez a realidade acontecer. E foi tão importante para a transformação operada do jornalismo radiofónico português, a partir da segunda metade da década de 1980, que alguns especialistas em jornalismo consideram mesmo que a estação radiofónica, que começou como rádio local até conseguir emitir para todo o País, foi “a maior revolução na comunicação social depois do 25 de Abril de 1974”.
Na segunda metade da década de 1980, Portugal vivia num regime democrático perfeitamente consolidado, com os primeiros Governos de maioria absoluta de um só partido (1987-1995), liderados por Aníbal Cavaco Silva (PSD), com uma economia dando sinais emergentes, animada pela estabilidade política e pela adesão à Comunidade Económica Europeia (1986), e com um tecido social mobilizado para uma onda de desenvolvimento do País, em nome da prometida prosperidade europeia.

MUDANÇAS NA RÁDIO, NA IMPRENSA E NA TELEVISÃO
Foi neste período efervescente, marcado por medidas governamentais de liberalização económica, que, a par da abertura do espectro radioeléctrico aos operadores locais, se criaram condições para a abertura da Televisão à iniciativa privada (que também constituiu uma revolução no sector audiovisual, a partir da abertura da SIC, em 1992) e para o lançamento de vários jornais, com destaque para o semanário “O Independente” (1988) e para o diário “Público” (1990), que foram protagonistas de duas revoluções na imprensa, porquanto os dois jornais marcaram uma nova era na informação impressa portuguesa, influenciando os restantes meios de comunicação na forma de escrever e de tratar a informação. “Quando tudo parecia demasiado acomodado e podre, a vaga de fundo provocada pelo aparecimento de novos títulos levou a uma onda de mudanças e convulsões”, como escreveu Nuno Pacheco, num editorial do “Público” (01-03-1998).
Um dos novos projectos mediáticos foi precisamente a TSF, que na época representou um salto de modernidade ao nível do jornalismo radiofónico, até então dominado pelo Estado (através da RDP e da Rádio Comercial) e pela Igreja Católica (através da Rádio Renascença). Os fundadores da TSF estavam “descontentes com o peso institucional e governamental” da informação estatal, na imprensa, na rádio e na televisão, e estavam motivados para mudar esse estado de coisas.
Construída na base de um perfil de música e notícias – fazendo do “directo” a sua grande vocação – em que a informação tinha primazia sobre a música, a TSF ficou na história dos meios de comunicação como o “mais inovador projecto radiofónico surgido em Portugal”, marcando o fim do “duopólio Estado-Igreja Católica” no sector (“Público”, 01-03-1995), com um novo estilo e uma nova forma de estar na rádio. “Trouxemos de volta os dias da rádio”, como recordou Emídio Rangel (“Público”,01-03-1998), director e co-fundador, considerado o “pai da TSF”. No livro “Tudo o Que se Passa na TSF… Para um “Livro de Estilo” (2003), o jornalista João Paulo Meneses reforça: “A TSF nasceu como ‘rádio em directo’, porque é vocação primeira da rádio dar o acontecimento no momento em que acontece.”

O CICLO INFORMATIVO: ANTES E DEPOIS DA TSF
Como conta o jornalista Carlos Andrade, no prefácio do livro “Tudo o Que se Passa na TSF… Para um “Livro de Estilo”, antes da TSF, o ciclo informativo em Portugal era lento e previsível. Na informação política, por exemplo, a “regra” era esta: o partido “A” dava uma conferência de imprensa às 10h00 da manhã, de que tínhamos notícia ilustrada com som nos “jornais” radiofónicos da hora do almoço, acrescida de imagem (quando havia…) nos “telejornais” da RTP1 e RTP2, ao jantar, e citações com aspas nos jornais diários do dia seguinte.
Só cumprido este ciclo é que talvez o partido “B” optasse por convocar os jornalistas para emitir a sua reacção ou opinião sobre o que fora dito no dia anterior pelo partido “A”. Depois, toda a gente esperava pelos semanários do fim-de-semana para saber o que se passou nos bastidores daquelas conferências de imprensa. Só então poderíamos ficar a saber que divergências existiram quanto às posições anunciadas, que acordos de bastidores é que foram feitos, etc..
Ora, o grande mérito da TSF – a primeira rádio temática no País, exclusivamente vocacionada para a informação – foi destruir estes mecanismos, “questionando todos os poderes, quebrando todos os tabus”, como observa um dos seus fundadores, o jornalista David Borges (“Público”, 01-03-1998). Com a TSF, a informação deixou de ter hora certa. Aliás, a frase “As notícias não escolhem hora certa” era uma imagem de marca da TSF, cuja programação poderia ser interrompida a qualquer hora do dia ou da noite por causa de uma notícia de última hora.
Deste modo, por influência da TSF, o panorama informativo mudou muito em Portugal, deixando para trás os tempos em que o espaço público mediático era dominado pela informação oficial ou oficiosa, tratada de modo reverente pelas redacções, em consequência das limitações de opinião impostas pelo regime do Estado Novo (1936-1974) e pelo peso estatal ou partidário na gestão dos órgãos de comunicação social, que se seguiu à revolução de 25 de Abril de 1974.
Liberta de quaisquer dessas amarras e apostando num jornalismo comprometido com o rigor informativo e as regras da pluralidade, a TSF desencadeou mudanças na informação radiofónica, mas também na imprensa e na televisão. Na era da TSF, se o partido “A” anunciava uma conferência de imprensa para as 10h00, os dirigentes do partido eram contactados no dia anterior ou de manhã bem cedo, para anteciparem a mensagem. A conferência de imprensa era transmitida em directo. As reacções eram obtidas mais rapidamente, nos minutos seguintes… Muitas vezes eram geradas respostas novas, que ultrapassavam os factos que antes tinham sido novidade na conferência de imprensa. Tudo isto alterou hábitos de trabalho nas televisões e nos jornais, obrigando a novas fórmulas de abordagem da actualidade informativa.

A “RÁDIO EM DIRECTO” E O “JORNALISMO DE ANTECIPAÇÃO”
Como afirma Carlos Andrade, um dos jornalistas fundadores, que também seria director da estação, a TSF “acelerou o tempo da informação”. Foi neste aspecto que a estação de Lisboa mais revolucionou o jornalismo radiofónico em Portugal, pois trouxe “o imediatismo da informação”, ou, utilizando uma expressão de Eduardo Cintra Torres para descrever o impacto de uma emissão em directo, mostrou “a força do agora” (“Público”, 23-08-1999).
De facto, no cerne da mudança esteve o “jornalismo em directo”, com a imprevisibilidade, a emoção, a extrema proximidade entre os jornalistas e os acontecimentos, a declaração espontânea de um responsável político ou a voz do cidadão anónimo, até então ausente do palco.
A noção de “rádio em directo” instalou-se em Portugal a partir da matriz informativa da TSF, em 1988. O “jornalismo de antecipação”, até aí monopólio dos jornais semanários, transferiu-se para a rádio, e, só algum tempo depois, para a imprensa escrita, sendo inaugurado com o diário “Público”, em 1990. Daí a importância da TSF no jornalismo português. Podemos dizer que, em Portugal, havia um jornalismo antes de a TSF ter surgido e passou a haver outro jornalismo depois.

A RÁDIO COMO ESPAÇO DA CIDADANIA
A TSF passou a dar voz a todos os agentes políticos e sociais (sindicatos, organizações profissionais, associações, etc.), aos especialistas sobre as matérias objecto de notícias (um especialista sobre assuntos económicos comentava as consequências da subida dos impostos), impondo a sua própria agenda mediática. Sempre que possível, em directo, surpreendendo o ouvinte em permanência, com a introdução de novos temas e novos protagonistas no espaço mediático.
Os próprios cidadãos conquistaram o seu espaço em programas como o “Fórum TSF”, algo de verdadeiramente novo em Portugal, a partir de 1995, consagrando aquilo que nos Estados Unidos já era prática corrente dez anos antes: proporcionar um diálogo em directo entre os cidadãos e os responsáveis e candidatos políticos, com o cidadão comum e eleitor a ter possibilidade de fazer perguntas, emitir críticas e opiniões.
O “Fórum TSF” – que se transformou num “clássico” da estação e numa ferramenta de trabalho para os decisores políticos, que ainda hoje está no ar –, deu voz aos cidadãos anónimos, sobre os temas da actualidade (“Público”, 01-03-1995). Desse modo, proporcionou, a quem ouve a rádio, a percepção quanto ao impacto de determinado assunto da agenda mediática junto dos vários quadrantes políticos e socioeconómicos da população.

EXEMPLOS MARCANTES DA TSF EM DIRECTO
O incêndio do Chiado, em Lisboa (1988), a invasão do Kuwait pelo Iraque (1990-1991), o bloqueio da Ponte 25 de Abril (1994) e o massacre de Timor (1999) foram alguns dos acontecimentos que mostraram a força da rádio em directo, revelando os jornalistas da TSF como exímios intérpretes desse modelo de transmissão de informação e fazendo jus ao lema da estação: “Tudo o que se passa, passa na TSF…”. “A TSF quebrou decisivamente o marasmo no campo da rádio”, sustenta o jornalista Nuno Pacheco. Com a TSF, “o jornalismo radiofónico saiu das trevas”, considera o jornalista Francisco Sena Santos, um dos obreiros da equipa de Emídio Rangel (“Público”, 01-03-1998).
Em 25 de Agosto de 1988, o incêndio no Chiado permitiu à TSF fazer a primeira das suas grandes coberturas jornalísticas em directo, depois premiada com o Prémio Gazeta do Clube dos Jornalistas. Em Fevereiro de 1991, a TSF, com o enviado especial David Borges, foi dos primeiros órgãos de comunicação social em todo o mundo a entrar no Kuwait libertado, dando conta do momento num registo emocionado (cf. CD “16 Anos – Os Sons da Nossa História”, editado pela TSF, 2004). Em 24 de Junho de 1994, dia do bloqueio da Ponte 25 de Abril, que paralisou a Grande Lisboa, a TSF já tinha a concorrência da televisão privada, pois a SIC tinha inaugurado as suas emissões dois anos antes. Mas quem não conseguiu ver TV ao longo do dia, pôde ver “televisão pelos ouvidos”, em mais uma grande emissão radiofónica especial, em directo, com diversos pontos de reportagem, com entrevistas, com comentários, com a opinião do povo anónimo, com análises dos especialistas – tal como Orson Welles engendrara em 1938 ao teatralizar “A Invasão dos Marcianos” –, afirmando a TSF no panorama radiofónico português.
“Foi talvez a primeira vez que tivemos, em directo, uma decomposição da ordem pública cuja génese esteve intimamente ligada à existência de meios de comunicação social rápidos e de grande penetração”, como escreveu o crítico de televisão Jorge Leitão Ramos (“Expresso”, 1994). José Rebelo, em crónica na revista “Notícias Magazine” (1994), chamou-lhe “O Dia da Rádio”: “Tão cedo não esquecerei aquela sexta-feira, 24 de Junho de 1994, em que, preso, de manhã até à noite, ao meu aparelho de rádio, me deixei deliberadamente invadir. Pelo alucinante vozear dos repórteres, constantemente interrompido e constantemente retomado.”

Um comentário:

Vítor Soares disse...

A informação radiofónica em directo é possível. Já quanto ao jornalismo radiofónico em directo o caso, para mim, é muito mais problemático:

http://infoinclusoes.blogspot.com/2008/05/edio-em-televiso.html

Isto, porque é importante fazer a distinção entre informação e jornalismo. No entretenimento também há informação, mas sem regras e normas jornalísticas. Fazer jornalismo é editar, escolher, e a rádio em directo, como a televisão em directo, dificilmente se compaginam com este modo de produção.