Cada vez que
se aprofunda o divórcio entre o actual Governo e a sociedade portuguesa alguém
vem dizer que o problema é a “má comunicação”. Isso aconteceu, por exemplo, no
caso da Taxa Social Única (TSU). O mesmo se diz agora do corte de quatro mil
milhões. Muitos apontam para a incapacidade do Governo em articular um discurso
político que comunique adequadamente esse corte ou poupança. Em suma, a tese
prevalecente é a seguinte: o Governo comunica mal e não consegue explicar
adequadamente as suas medidas.
Esta tese
parece-me falsa. O Governo não tem um problema de dificuldade de comunicação
das suas medidas mais relevantes. Aquilo que se passa é algo muito diferente:
este Governo considera que não precisa, ou mesmo que não deve, comunicar essas
decisões. Ou seja: o Governo tem uma postura anti-democrática assente em
princípios. Isto não significa que o primeiro-ministro ou outros ministros
conheçam as fontes intelectuais desses princípios. Mas absorveram-nas em termos
práticos.
A primeira
dessas fontes é uma vertente do pensamento liberal que vai do neoliberalismo
(F. A. Hayek, etc.) ao libertarismo contemporâneo (e.g. R. Nozick). Este
liberalismo é anti-democrático na medida em que considera que há um conjunto de
questões e políticas correspondentes ao enquadramento de um Estado mínimo, ou
pouco mais extenso do que isso, que não devem estar sujeitas à discussão e à
decisão democráticas. Se essas questões - por exemplo o nível de impostos -
passassem para o debate da cidadania, o resultado seria um Estado bem mais
extenso do que o Estado mínimo. No discurso politico corrente, esta visão de um
certo liberalismo exprime-se na famosa TINA, de Margaret Tatcher: "There is
no alternative". Porque não há alternativa, ou se considera por princípio
que a alternativa é má, não há que consultar os cidadãos.
Uma segunda
fonte ideológica para a vontade de não comunicar é uma aplicação ao discurso
político corrente do pensamento de Leo Strauss e dos seus seguidores, segundo o
qual o conhecimento da Filosofia Política deve ser restrito a uma elite – auto-nomeada – e escondido do povo, incapaz de
compreender o que é essencial. Por isso existe um discurso exotérico, para o
povo, mas que não visa comunicar nem explicar, e um discurso esotérico, para os
"eleitos" que compreendem a verdade, mas que só pode ser feito à
porta fechada.
Assim, quando
o Governo diz que os portugueses têm de decidir se querem ou não sustentar o
Estado que têm, a pergunta implícita nessa frase é apenas retórica. O Governo
já decidiu que não, que os portugueses querem um Estado muito mais pequeno,
especialmente nas suas funções sociais. Essa questão foi colocada fora da
esfera democrática.
Artigo
de João Cardoso Rosas, professor universitário, publicado no “Diário
Económico”, 13-02-2013. Ver aqui.
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