Com
os despedimentos no “Público” e consequente esvaziamento da sua redação –
agora praticamente reduzida a Lisboa e mais focada na área digital –, com a
venda do “Jornal de Notícias” e do “Diário de Notícias” a capitais angolanos e com
o encerramento de revistas e outras publicações, em consequência da grave crise
económica, a imprensa portuguesa, em particular no setor dos jornais diários, está
a registar um enorme retrocesso, podendo estar comprometida a garantia de
pluralidade política, social, económica e cultural no espaço público mediático.
Com
a concentração da propriedade da imprensa em mãos desconhecidas de outro País, com
a forte redução da informação local e regional na agência Lusa – cujos
trabalhadores estão em litígio com a administração –, e com a fragilidade da generalidade
das empresas que gerem os meios de comunicação, é a saúde da
democracia portuguesa que está em causa.
Antes
de mais, para entender a dimensão e a gravidade do problema, é preciso conhecer
a distinção entre o “público” e o “privado” – ou seja, o que é de natureza
pública e o que é de natureza privada – e a evolução do significado dos
conceitos ao longo dos tempos. O que, de resto, se trata de uma distinção
polémica, como sublinhei num texto de investigação que já escrevi neste blogue (ver aqui).
Para
um debate sério sobre a matéria, é conveniente saber em que contexto é que
nasceram os jornais, criando um espaço público como lugar de mediação entre a
sociedade civil e o Estado.
O
que estamos a assistir em Portugal é deveras perturbador. Sobretudo quando o
Governo, sob o argumento da eliminação da despesa pública – que é poderoso
junto da população incauta ou menos informada –, também dá sinais de que quer
acabar com a RTP Porto, ou seja, com o que resta da influência que o Norte pode
ter junto do centralismo político, económico e social de Lisboa (ver aqui).
Num
passado não muito distante, o "Jornal de Notícias" era do Norte, o
"Diário de Notícias" era de Lisboa e a TSF era a rádio de notícias 24
horas por dia... Isso já passou à história. Em breve, esses meios de
comunicação serão financiados e geridos por capital angolano. Com esta mudança
de propriedade de alguns dos mais influentes meios de comunicação, Portugal prossegue
a venda ao estrangeiro de posições estratégicas, que põem em causa a sua
identidade milenar e a sua posição geoestratégica. Porque os meios de
comunicação são um instrumento de poder.
É
evidente que o dinheiro não tem pátria, nem tem cor. Como também parece
evidente que os angolanos não terão comprado esses meios de comunicação para
depois fecharem as suas portas. Mas no caso da propriedade dos meios de comunicação
social, penso que a origem do capital é uma questão muito importante. Porque os
meios de comunicação de massa têm a capacidade de influenciar e manipular a
sociedade. Ora, os meios de comunicação social de um País não podem ter donos
que não sabemos quem são, nem podem estar ao serviço de interesses privados de
países remotos. Os meios de comunicação social produzem jornalismo e têm
obrigações de serviço público. Serviço público não é tornar público um
interesse privado. É servir todo o público de um determinado território. Não é
por acaso que, em muitos países, há limites à participação de capital
estrangeiro nos meios de comunicação social. É o que acontece no Brasil.
Temos
em Portugal o caso do jornal “Sol”, que esteve para fechar, por dificuldades
financeiras, e acabou por rejuvenescer sob o controlo dos angolanos da Newshold.
Se analisarmos o caderno de economia do “Sol”, assim como os destaques que são
dados às diversas notícias ou entrevistas, verificamos uma notória orientação
editorial em defesa dos interesses angolanos, nomeadamente através de uma
narrativa sedutora para eventuais investidores portugueses naquela ex-colónia
portuguesa. Se este posicionamento editorial for adoptado pelos dois diários
agora vendidos pela Controlinveste, qualquer dia não haverá no mercado
português jornais que não defendam os interesses políticos e económicos de
Angola. E esse domínio ameaça estender-se à televisão (ver aqui).
O
empresário Joaquim Oliveira vendeu os seus jornais e a sua rádio a angolanos
com toda a legitimidade. Livrou-se de um mau negócio. Porque os jornais em causa,
na verdade, embora sendo privados, nunca deixaram, verdadeiramente, de depender
do poder governamental de Lisboa, direta ou indiretamente. Sem um plano de
negócios devidamente estruturado, no âmbito de uma estratégia editorial e
comercial definida a longo prazo, tanto o “Diário de Notícias” como o “Jornal
de Notícias” são hoje dois projetos fragilizados. Por isso, caem agora nas mãos
angolanas. Mas poderiam ser chinesas, russas ou sul-coreanas. Tivessem as mãos estrangeiras a
necessidade económica de entrar em Portugal para dizerem que são europeias.
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