terça-feira, 30 de outubro de 2012

A imprensa portuguesa e o capital angolano



Com os despedimentos no “Público” e consequente esvaziamento da sua redação – agora praticamente reduzida a Lisboa e mais focada na área digital –, com a venda do “Jornal de Notícias” e do “Diário de Notícias” a capitais angolanos e com o encerramento de revistas e outras publicações, em consequência da grave crise económica, a imprensa portuguesa, em particular no setor dos jornais diários, está a registar um enorme retrocesso, podendo estar comprometida a garantia de pluralidade política, social, económica e cultural no espaço público mediático.
Com a concentração da propriedade da imprensa em mãos desconhecidas de outro País, com a forte redução da informação local e regional na agência Lusa – cujos trabalhadores estão em litígio com a administração –, e com a fragilidade da generalidade das empresas que gerem os meios de comunicação, é a saúde da democracia portuguesa que está em causa. 
Antes de mais, para entender a dimensão e a gravidade do problema, é preciso conhecer a distinção entre o “público” e o “privado” – ou seja, o que é de natureza pública e o que é de natureza privada – e a evolução do significado dos conceitos ao longo dos tempos. O que, de resto, se trata de uma distinção polémica, como sublinhei num texto de investigação que já escrevi neste blogue (ver aqui).
Para um debate sério sobre a matéria, é conveniente saber em que contexto é que nasceram os jornais, criando um espaço público como lugar de mediação entre a sociedade civil e o Estado.
O que estamos a assistir em Portugal é deveras perturbador. Sobretudo quando o Governo, sob o argumento da eliminação da despesa pública – que é poderoso junto da população incauta ou menos informada –, também dá sinais de que quer acabar com a RTP Porto, ou seja, com o que resta da influência que o Norte pode ter junto do centralismo político, económico e social de Lisboa (ver aqui).
Num passado não muito distante, o "Jornal de Notícias" era do Norte, o "Diário de Notícias" era de Lisboa e a TSF era a rádio de notícias 24 horas por dia... Isso já passou à história. Em breve, esses meios de comunicação serão financiados e geridos por capital angolano. Com esta mudança de propriedade de alguns dos mais influentes meios de comunicação, Portugal prossegue a venda ao estrangeiro de posições estratégicas, que põem em causa a sua identidade milenar e a sua posição geoestratégica. Porque os meios de comunicação são um instrumento de poder.
É evidente que o dinheiro não tem pátria, nem tem cor. Como também parece evidente que os angolanos não terão comprado esses meios de comunicação para depois fecharem as suas portas. Mas no caso da propriedade dos meios de comunicação social, penso que a origem do capital é uma questão muito importante. Porque os meios de comunicação de massa têm a capacidade de influenciar e manipular a sociedade. Ora, os meios de comunicação social de um País não podem ter donos que não sabemos quem são, nem podem estar ao serviço de interesses privados de países remotos. Os meios de comunicação social produzem jornalismo e têm obrigações de serviço público. Serviço público não é tornar público um interesse privado. É servir todo o público de um determinado território. Não é por acaso que, em muitos países, há limites à participação de capital estrangeiro nos meios de comunicação social. É o que acontece no Brasil.
Temos em Portugal o caso do jornal “Sol”, que esteve para fechar, por dificuldades financeiras, e acabou por rejuvenescer sob o controlo dos angolanos da Newshold. Se analisarmos o caderno de economia do “Sol”, assim como os destaques que são dados às diversas notícias ou entrevistas, verificamos uma notória orientação editorial em defesa dos interesses angolanos, nomeadamente através de uma narrativa sedutora para eventuais investidores portugueses naquela ex-colónia portuguesa. Se este posicionamento editorial for adoptado pelos dois diários agora vendidos pela Controlinveste, qualquer dia não haverá no mercado português jornais que não defendam os interesses políticos e económicos de Angola. E esse domínio ameaça estender-se à televisão (ver aqui).
O empresário Joaquim Oliveira vendeu os seus jornais e a sua rádio a angolanos com toda a legitimidade. Livrou-se de um mau negócio. Porque os jornais em causa, na verdade, embora sendo privados, nunca deixaram, verdadeiramente, de depender do poder governamental de Lisboa, direta ou indiretamente. Sem um plano de negócios devidamente estruturado, no âmbito de uma estratégia editorial e comercial definida a longo prazo, tanto o “Diário de Notícias” como o “Jornal de Notícias” são hoje dois projetos fragilizados. Por isso, caem agora nas mãos angolanas. Mas poderiam ser chinesas, russas ou sul-coreanas. Tivessem as mãos estrangeiras a necessidade económica de entrar em Portugal para dizerem que são europeias.

Nenhum comentário: