sábado, 13 de outubro de 2012

Os despedimentos no “Público” e o futuro dos jornais impressos


Um jornal diário de informação geral que não investe na informação local é um jornal sem grande relação afetiva com a sua comunidade de leitores. Não tendo relação com a sua comunidade de leitores, o jornal torna-se descartável e acaba por morrer, porque a informação que esse jornal fornece, sendo a grande informação da agenda mediática nacional e internacional, pode ser encontrada em qualquer outro meio de comunicação, desde logo, a partir da tela do computador ou do telefone celular. Além disso, na era da comunicação digital, os leitores com talento e formação ainda podem buscar informação diretamente nas fontes, que não tem o filtro subjetivo do jornalista.
Ao despedir 48 trabalhadores, a maioria deles jornalistas, ao desinvestir na informação local e ao anunciar uma aposta no espaço digital, o jornal “Público” – uma referência incontornável do jornalismo português dos últimos 20 anos, onde tive o enorme prazer de trabalhar –, torna-se ainda menos jornal. E termina um processo de mudança que faz do “Público” de hoje um jornal totalmente distinto do “Público” da última década do século XX – cujo modelo, na altura, impulsionou mudanças editoriais em toda a imprensa portuguesa. Eis o resultado de sucessivos erros de gestão e marketing da Sonaecom, empresa proprietária do título.
Os despedimentos agora anunciados resultam de cortes sem nexo, que não tiveram em conta a sobrevivência do próprio jornal. Um dos jornalistas despedidos, por exemplo, para além de excelente profissional desde a fundação do “Público”, é também um excelente escritor português. Ou seja, um jornalista que agrega valor à marca “Público” seja pelo seu trabalho profissional, seja pela sua obra de escritor. Mas foi dispensado.
O “Público” acompanhou as mudanças que se verificaram na comunicação e no jornalismo de uma forma totalmente errada. Os últimos anos têm sido de cortes sucessivos na despesa, mas na despesa que lhe poderia dar receitas, caso o jornal tivesse uma estratégia comercial adequada ao mercado português. Os cortes começaram pela eliminação de colaboradores e correspondentes, até que a redação ficou reduzida ao “bunker” de Lisboa, que só pensa em Lisboa – embora não dando grande importância às questões do quotidiano que afetam as pessoas que vivem e trabalham na capital –, e menospreza o País que, verdadeiramente, não quer conhecer, nem sequer explicar aos portugueses. É natural, por isso, que os leitores sejam cada vez menos, que o investimento publicitário seja cada vez mais baixo e que o futuro se reduza a uma edição digital igual a muitas outras.
Curiosamente, é no quadro de um sistema mediático global em que vivemos, no qual a informação chega até nós instantaneamente, vinda de todo o mundo, que mais precisamos de jornais e de jornalistas que nos expliquem o que está a acontecer, não só à escala internacional, mas, sobretudo, à escala local e regional. Precisamos, cada vez mais, de informação sobre o que se passa perto de nós. Ao mesmo tempo, é preciso pensar nos leitores e envolvê-los no processo de construção do jornal diário. Envolvê-los nessa construção não é deixá-los escrever insultos ou frases sem sentido na caixa de comentários das notícias da edição digital. É, por exemplo, aproveitar as suas sugestões de agenda e indicar no próprio jornal o nome do leitor que indicou o assunto tratado.
É certo que os tempos não estão fáceis para a gestão dos jornais, mais a mais numa situação de crise económica grave como a que se vive em Portugal. Por outro lado, a informação gratuita que circula na Internet é suficiente para as necessidades básicas da maioria dos leitores. Mas a vida não está fácil para nenhum dos agentes que estão no mercado. Até os vendedores de sapatos ou frigoríficos têm de ser cada vez mais imaginativos no seu negócio. Porque há cada vez mais concorrentes e os compradores são cada vez mais informados, cada vez mais exigentes e, por isso mesmo, cada vez menos fiéis às marcas.
A verdade é que um jornal continua a desempenhar o seu papel de agente orientador do espaço público mediático, pois vivemos numa selva informativa, em que muita informação não significa mais e melhor informação.
Neste contexto, a tendência será sentirmos a necessidade de jornais e jornalistas que proporcionem uma informação de proximidade que nos ajude a viver mais bem informados, percebendo o mundo que está mais próximo de nós.
Num tempo em que as novidades do momento são replicadas como vírus por um sistema mediático instantâneo e avassalador – e muitas vezes com erros grosseiros justamente por causa da instantaneidade –, não vejo outro caminho para os jornais se distinguirem uns dos outros que não seja através de um bom jornalismo local e regional. Só assim poderão fazer um trabalho distinto, que seja capaz de criar no leitor a necessidade de ler o seu jornal do dia.
O “Público” ignorou este caminho, que é um caminho com futuro. Por isso está a falhar como empresa jornalística.

Nenhum comentário: