Um jornal diário de informação geral que não investe na informação local é um jornal sem grande relação afetiva com a sua comunidade de leitores. Não tendo relação com a sua comunidade de leitores, o jornal torna-se descartável e acaba por morrer, porque a informação que esse jornal fornece, sendo a grande informação da agenda mediática nacional e internacional, pode ser encontrada em qualquer outro meio de comunicação, desde logo, a partir da tela do computador ou do telefone celular. Além disso, na era da comunicação digital, os leitores com talento e formação ainda podem buscar informação diretamente nas fontes, que não tem o filtro subjetivo do jornalista.
Ao despedir
48 trabalhadores, a maioria deles jornalistas, ao desinvestir na informação
local e ao anunciar uma aposta no espaço digital, o jornal “Público” – uma
referência incontornável do jornalismo português dos últimos 20 anos, onde tive
o enorme prazer de trabalhar –, torna-se ainda menos jornal. E termina um
processo de mudança que faz do “Público” de hoje um jornal totalmente distinto
do “Público” da última década do século XX – cujo modelo, na altura,
impulsionou mudanças editoriais em toda a imprensa portuguesa. Eis o resultado
de sucessivos erros de gestão e marketing da Sonaecom, empresa proprietária do
título.
Os
despedimentos agora anunciados resultam de cortes sem nexo, que não tiveram em
conta a sobrevivência do próprio jornal. Um dos jornalistas despedidos, por
exemplo, para além de excelente profissional desde a fundação do “Público”, é também
um excelente escritor português. Ou seja, um jornalista que agrega valor à marca
“Público” seja pelo seu trabalho profissional, seja pela sua obra de escritor. Mas
foi dispensado.
O “Público”
acompanhou as mudanças que se verificaram na comunicação e no jornalismo de uma
forma totalmente errada. Os últimos anos têm sido de cortes sucessivos na despesa,
mas na despesa que lhe poderia dar receitas, caso o jornal tivesse uma
estratégia comercial adequada ao mercado português. Os cortes começaram pela
eliminação de colaboradores e correspondentes, até que a redação ficou reduzida
ao “bunker” de Lisboa, que só pensa em Lisboa – embora não dando grande
importância às questões do quotidiano que afetam as pessoas que vivem e
trabalham na capital –, e menospreza o País que, verdadeiramente, não quer
conhecer, nem sequer explicar aos portugueses. É natural, por isso, que os
leitores sejam cada vez menos, que o investimento publicitário seja cada vez
mais baixo e que o futuro se reduza a uma edição digital igual a muitas outras.
Curiosamente,
é no quadro de um sistema mediático global em que vivemos, no qual a informação
chega até nós instantaneamente, vinda de todo o mundo, que mais precisamos de
jornais e de jornalistas que nos expliquem o que está a acontecer, não só à
escala internacional, mas, sobretudo, à escala local e regional. Precisamos, cada
vez mais, de informação sobre o que se passa perto de nós. Ao mesmo tempo, é
preciso pensar nos leitores e envolvê-los no processo de construção do jornal
diário. Envolvê-los nessa construção não é deixá-los escrever insultos ou
frases sem sentido na caixa de comentários das notícias da edição digital. É,
por exemplo, aproveitar as suas sugestões de agenda e indicar no próprio jornal
o nome do leitor que indicou o assunto tratado.
É certo que
os tempos não estão fáceis para a gestão dos jornais, mais a mais numa situação
de crise económica grave como a que se vive em Portugal. Por outro lado, a
informação gratuita que circula na Internet é suficiente para as necessidades
básicas da maioria dos leitores. Mas a vida não está fácil para nenhum dos
agentes que estão no mercado. Até os vendedores de sapatos ou frigoríficos têm
de ser cada vez mais imaginativos no seu negócio. Porque há cada vez mais
concorrentes e os compradores são cada vez mais informados, cada vez mais
exigentes e, por isso mesmo, cada vez menos fiéis às marcas.
A verdade é
que um jornal continua a desempenhar o seu papel de agente orientador do espaço
público mediático, pois vivemos numa selva informativa, em que muita informação
não significa mais e melhor informação.
Neste
contexto, a tendência será sentirmos a necessidade de jornais e jornalistas que
proporcionem uma informação de proximidade que nos ajude a viver mais bem
informados, percebendo o mundo que está mais próximo de nós.
Num tempo em
que as novidades do momento são replicadas como vírus por um sistema mediático
instantâneo e avassalador – e muitas vezes com erros grosseiros justamente por
causa da instantaneidade –, não vejo outro caminho para os jornais se
distinguirem uns dos outros que não seja através de um bom jornalismo local e
regional. Só assim poderão fazer um trabalho distinto, que seja capaz de criar
no leitor a necessidade de ler o seu jornal do dia.
O “Público” ignorou
este caminho, que é um caminho com futuro. Por isso está a falhar como empresa
jornalística.
[Artigo de Luís Paulo Rodrigues, publicado no jornal "Briefing", agregador de notícias sobre comunicação e marketing, 12-10-2012. Ver aqui]
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