Não resisto ao génio de Vasco Pulido Valente (VPV). As suas crónicas sobre a política contemporânea portuguesa, devidamente enquadradas pelos seus conhecimentos de historiador, tornam obrigatória a leitura do “Público” à sexta-feira, ao sábado e ao domingo. Com uma capacidade de síntese extraordinária, VPV escreveu há dias mais uma peça de ourivesaria, desta vez sobre os políticos “independentes”, tomando como ponto de partida “um número anormal de ‘independentes’” que integram o Governo PSD-CDS/PP – os mais notórios dos quais serão o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira. Mas o que fica da citada crónica de VPV é a sua definição de “independente”. E se ocupei alguns minutos a digitar o pedaço de crónica que define na perfeição o que é um político independente, é porque os alegados independentes costumam ser utilizados pelas máquinas partidárias como trunfos eleitorais e instrumentos poderosos de comunicação política. Pela crónica de VPV, os “independentes” são, afinal, tanto ou mais políticos e dependentes da política que os políticos profissionais. Vejamos:
“O ‘independente’ costuma esvoaçar à volta dos grandes grupos de interesses, dos lóbis universitários, do PSD e do PS. Verdade que não frequenta sessões de militantes, nem se candidata a cargos que o possam pôr em evidência pública. Prefere o género ‘encontro’, ‘simpósio’, ‘seminário’ ou conferência, onde se roça com assiduidade pela gente importante e, principalmente, pela gente séria e onde com o tempo (com pouco tempo) começa ele próprio a adquirir sem excessivo esforço a sua reputação de importante e sério. Não incomoda ninguém, não provoca ninguém, quase não se nota e é útil para encher uma cadeira ou fazer uma pergunta.
Mas não se imagina que o ‘independente’ escolhe ao acaso, como um pássaro tonto, os meios por onde circula e as relações que laboriosamente angaria. Sabe perfeitamente para onda sopra o vento: onde poisa o PS e onde poisa o PSD. Quem tende a ‘subir’ e quem tende a ‘descer’ e, portanto, para usar o termo pornográfico corrente, em quem deve ‘apostar’. Depois de uma eleição ou de uma remodelação, muitas vezes até ganha. Serve para tapar um ‘buraco’, para afastar um apoiante incómodo, para resolver com mansidão e ‘neutralidade’ uma querela entre dois ‘caciques’. A televisão e os jornais declaram o ‘independente’ uma ‘cara fresca’ e ele entra esfusiante pelo Estado dentro na completa ignorância do que sejam a administração e a sociedade portuguesa. Para, naturalmente, fugir dali a uns meses como um sendeiro triste, à procura de um novo dono.”
Vasco Pulido Valente, “Público”, 16-10-2011
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