quinta-feira, 10 de maio de 2012

A realidade feita pelos "media". O caso das notícias do tempo


A comunicação constrói uma realidade. E o sistema mediático alimenta-se de permanentes construções da realidade. A comunicação tanto induz a venda de uma marca de vestuário como o voto num candidato político. Ou o estado do tempo.
Por acção dos meios de comunicação, é cada vez mais difícil definir o que é a realidade. A realidade deveria ser o que existe de facto. Mas nos dias de hoje um acontecimento existe, ou deixa de existir, caso seja difundido ou não pelos meios de comunicação. Os “media” têm, por isso, o poder de instituir o que existe ou não existe; o que é real ou não é real. Os “media” dizem-nos o que existe e, por consequência, o que não existe, por não ser objecto de notícia.
Os “media” fazem um escalonamento da realidade, através do maior ou do menor destaque das notícias. Os “media” dão um valor aos acontecimentos e aos seus protagonistas, consoante os considera positivos ou negativos ou os ignora.
O caso das notícias sobre o estado do tempo climatérico é paradigmático. As televisões e os jornais têm espaços informativos específicos sobre o estado do tempo. Porém, esta semana, a subida da temperatura em Portugal é motivo de notícia em todos os canais de televisão. Como se uns dias de sol não fossem normais no mês de Maio. Mas o pior é que um canal de televisão como a RTP – que é uma estação pública, com obrigações de serviço público – faça reportagens sobre o estado do tempo, ouvindo as pessoas sobre como vão passar estes dias, como aconteceu nesta quinta-feira, no Algarve, numa “notícia” intitulada “Verão tímido no Algarve”.
Trata-se, evidentemente, de uma realidade que só passou a existir porque foi construída pela RTP. Na verdade, o Verão não está nada tímido no Algarve. Na verdade, estamos na Primavera. Na verdade, o Verão só começa durante a segunda quinzena de Junho, daqui a mais de um mês.
É na mesma linha da construção de realidades que os “media” falam em “vaga de frio” quando a temperatura desce ou em “vaga de calor” quando a temperatura sobe. E as audiências são influenciadas por esta capacidade manipuladora – tanto mais que a agenda dos temas sobre os quais falamos com os nossos amigos é dominada pelos temas da agenda dos “media”. Se repararmos bem, a grande maioria dos temas e assuntos que são falados em casa, no Facebook, no trânsito, no trabalho e nos encontros sociais são colocados em discussão no espaço público pelos “media”. Neste sentido, os “media” são muito poderosos, pois determinam, em parte, o que deve ser falado e discutido.
É evidente que nós podemos discordar dos assuntos, podemos criticá-los e podemos não aceitá-los. Mas acabamos sempre por ser vítimas da força avassaladora dos meios de comunicação.
Outro exemplo dos tempos que correm: os “media” portugueses dão um espaço enorme à crise económica e financeira, às medidas de austeridade ou às actividades da “troika”, formada pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela União Europeia.
Sem sabermos, um editor sofisticado de um noticiário de televisão pode começar por colocar uma notícia sobre a crise portuguesa. De seguida, atira-nos uma reportagem sobre a crise grega e, depois, na terceira notícia, pode regressar a Portugal para anunciar mais um corte nos ordenados ou um aumento nos impostos. É com base em percepções criadas a partir das acções mediáticas que as pessoas, hoje, dizem que “isto está mal, mas ainda vai estar pior”.
Deste modo, temos os meios de comunicação a espalhar a cultura do medo, que segundo os mais recentes estudos de marketing político e de neuromarketing, também garante vitórias eleitorais e condiciona a nossa vida colectiva e as nossas expectativas quanto ao presente e quanto ao futuro.

Obs. – Este é o terceiro de uma série de textos criados a partir da minha comunicação sobre o poder dos “media” nas nossas vidas, na Universidade Lusófona do Porto, proferida no dia 30 de Abril de 2012, no âmbito da iniciativa nacional “Um Dia com os Media”.

Um comentário:

Tela Leão disse...

As percepções criadas pelos media podem influenciar até as nossas decisões de mudar de país... Mas tanto podem ser falsas para o lado da crise como para o lado da euforia! Estive no Brasil recentemente. A imagem de sucesso que no momento atrai magotes de novos imigrantes não corresponde à realidade. Não há trabalho para todos e mais alguns a não ser em parcos setores. E não tenho na memória ter alguma vez visto, em 60 anos de vida, um tão grande e inquietador número de mendigos, drogados e desvalidos jogados pelas ruas e desvãos de viadutos da cidade de São Paulo como nesta visita presenciei.