No
tempo da ditadura fascista (1926-1974), a sardinha era um peixe que só os pobres comiam. Pão
de milho, sardinhas e vinho era a “ementa” quase diária dos portugueses que trabalhavam
no campo. Nas famílias mais numerosas ou mais pobres, uma sardinha, mesmo
barata, chegava a ser dividida por duas bocas. No Norte, além da sardinha, as fanecas,
os carapaus e os chicharros eram os peixes mais populares. E pouco mais.
Mas
nem tudo era mau. O peixe era do mar e chegava a casa dos consumidores mais próximos do litoral no
próprio dia. Isso hoje seria um luxo. Pela manhã, nas aldeias, as donas de casa,
que na altura ficavam em casa, pois o homem é que trabalhava fora para
sustentar a família, assomavam à porta da cozinha quando ouviam o som da carrinha
do homem do peixe. Umas diziam que era o “peixeiro”, outras o “sardinheiro”. A
sardinha era o peixe barato que tinha mais saída.
Foi
assim até aos anos de 1980. Depois veio o dinheiro da Europa e Cavaco Silva baixou
as calças a Bruxelas e deixou que fosse destruída a nossa frota de pesca. Ninguém
se queixou porque os sectores mais dinâmicos e empreendedores da sociedade
estavam entretidos com o dinheiro de Bruxelas, que jorrava em grandes quantidades
diariamente. Era dinheiro para auto-estradas e todo o tipo de infra-estruturas –
inclusive as desnecessárias – e para essa vigarice a que deram o nome de “formação
profissional”.
No
mar só ficaram os desgraçados que não tinham espaço noutros lados. Na terra
aconteceu praticamente o mesmo. A Europa começou a financiar a terra ociosa e
muitos proprietários viram na ideia de receber para não produzir o seu filão
lucrativo.
Como
temos visto na crise em que vivemos, desde que entrou na Comunidade Económica
Europeia, em 1986, Portugal decidiu muito mal em matéria de pescas e de agricultura.
O que se passa no mercado da sardinha é exemplar.
Muito
por força da mediatização das festas sãojoaninas, no Porto, e, sobretudo, das
antoninas de Lisboa, a sardinha assada na brasa emergiu como iguaria típica da
moda. Nas festas lisboetas, a sardinha foi mesmo “promovida” a elemento icónico
– num trabalho de marketing com alguns anos. Hoje, os portugueses não comem
sardinhas porque estão mais pobres, mas porque elas se transformaram num peixe
chique. Chique, à custa da comunicação, e muito caro – mais caro do que o
camarão, como se diz por aí – porque a procura é maior do que a oferta. O
problema é não haver frota pesqueira que responda a todas as encomendas.
2 comentários:
Quero dar-lhe os parabéns por ter sempre uma análise justa sobre quem (e o quê) é que estragou isto tudo, apesar de ser uma pessoa muito importante num cargo "político".
Eu não me recordo da sardinha para duas pessoas, apesar de já ter ouvido várias vezes essa história, recordada pelo meu pai.
Mas lembro-me bem de se fazerem broas no forno dos meus bisavós, com pedaços de sardinha, que sobravam do almoço, e aquilo era mesmo muito bom, e mais barato não havia.
Não é verdade que só os pobres comessem sardinhas. Entre os ricos e a classe média sempre foi petisco que se comia no Verão, nos restaurantes de praia, nas idas a Alfama nos santos populares, e mtªs vezes tb grelhadas nos jardins das casas de veraneio.
Postar um comentário