quinta-feira, 5 de maio de 2011

Passos, Sócrates e os "media"


Sim, o PSD dá tiros no pé. Sim, há um grave problema de comunicação política no PSD, particularmente irritante no actual momento. Ou seja, esta liderança do PSD, que nunca me convenceu, está a ser estranhamente amadora. São 8h37 da manhã, mas convém relembrar o pêndulo kantiano: sim senhora, o PS está na tirania, mas, caramba, o PSD está na anarquia. Dr. Passos não dá para calar o dr. Relvas, o dr. de Gaia e aquele-senhor-mais-velhinho-que-não-pára-calado-o-dos-aldrabões? Não dá para entregar a voz do partido ao dr. Catroga e ao dr. Carlos Moedas?
Porém, tudo isto não desculpa o atual momento que se vive nos “media”. É inaceitável a equivalência moral que está a ser feita entre a ingenuidade de Passos Coelho e os actos governativos de José Sócrates. Essa equivalência – que está em vigor nos “media” – não é aceitável. José Sócrates está lá há 15 anos. Passos Coelho nunca lá esteve. José Sócrates levou o país à bancarrota. Passos Coelho é líder da oposição há um ano. Aproveitar o ruído do PSD para esconder o fracasso absoluto da governação PS é uma coisa inaceitável. Moral e intelectualmente. Um exemplo: na segunda-feira, o hino novo (?) do PSD teve mais “buzz” do que a notícia das 600 mil crianças que perderam o subsídio de família. Isto não é justo. Uma vírgula mal colocada numa declaração de Passos Coelho causa mais eco na imprensa do que um acto de má governação de José Sócrates (ex.: a factura de eletricidade das escolas triplicou com a Parque Escolar). Isto não é normal. Se Passos Coelho dá um espirro, todos os jornais caem em cima; há um motim de Teixeira dos Santos contra José Sócrates, mas isso não causa polémica nem discussão. Isto não está certo. Não é honesto.
Em suma, o amadorismo do PSD não desculpa o cinismo dos “media” e do “mainstream” opinadeiro, que está sempre disposto a fazer o jogo do “spin” socrático. Lemos e ouvimos coisas que dizem aos portugueses que a crise começou na semana passada. Isto não é honesto. Isto é entregar a honestidade do espaço público a noções de marketing político. Esqueçam Kant, Aron, Keynes, esqueçam a História, a Economia, a Teoria Política, esqueçam o pensamento e os neurónios. O que interessa é o marketing, a comunicação e o “timing” (essa doença infantil do espírito opinadeiro nacional). O que interessa é "ó Luís, já os enganei, ou não?". Obrigado, mas não obrigado.
[FONTE: Henrique Raposo, “Expresso”, 05-05-2011]

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