quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Surpresa. Umberto Eco comprou um iPad e gostou
“Defendi a sobrevivência do livro ao lado de Jean-Claude Carrière no volume ‘Não contem com o fim do livro’. Fizemos isso por motivos estéticos e gnoseológicos (relativo ao conhecimento). O livro ainda é o meio ideal para aprender. Não precisa de eletricidade, e você pode riscar à vontade. Achávamos impossível ler textos no monitor do computador. Mas isso faz dois anos. Em minha viagem pelos Estados Unidos, precisava carregar 20 livros comigo, e meu braço não me ajudava. Por isso, resolvi comprar um iPad. Foi útil na questão do transporte dos volumes. Comecei a ler no aparelho e não achei tão mau. Aliás, achei ótimo. E passei a ler no iPad, você acredita? Pois é. Mesmo assim, acho que os tablets e e-books servem como auxiliares de leitura. São mais para entretenimento que para estudo. Gosto de riscar, anotar e interferir nas páginas de um livro. Isso ainda não é possível fazer num tablet.”
“A internet não seleciona a informação. Há de tudo por lá. A Wikipédia presta um desserviço ao internauta. Outro dia publicaram fofocas a meu respeito, e tive de intervir e corrigir os erros e absurdos. A Internet ainda é um mundo selvagem e perigoso. Tudo surge lá sem hierarquia. A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O excesso de informação provoca a amnésia. Informação demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, é selecionar. Vamos tomar como exemplo o ditador e líder romano Júlio César e como os historiadores antigos trataram dele. Todos dizem que foi importante porque alterou a história. Os cronistas romanos só citam sua mulher, Calpúrnia, porque esteve ao lado de César. Nada se sabe sobre a viuvez de Calpúrnia. Se costurou, se se dedicou à educação ou seja lá o que for. Hoje, na Internet, Júlio César e Calpúrnia têm a mesma importância. Ora, isso não é conhecimento.”
“Se você sabe quais os sites e bancos de dados que são confiáveis, você tem acesso ao conhecimento. Mas veja bem: você e eu somos ricos de conhecimento. Podemos aproveitar melhor a Internet do que aquele pobre senhor que está comprando salame na feira aí em frente. Nesse sentido, a televisão era útil para o ignorante, porque selecionava a informação de que ele poderia precisar, ainda que informação idiota. A Internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece – e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a Internet para as mais variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes.”
“[A solução para o problema do excesso de informação seria] criar uma teoria da filtragem. Uma disciplina prática, baseada na experimentação cotidiana com a Internet. Fica aí uma sugestão para as universidades: elaborar uma teoria e uma ferramenta de filtragem que funcionem para o bem do conhecimento. Conhecer é filtrar.”
Umberto Eco, escritor italiano e professor universitário, que hoje comemora 80 anos, em entrevista à revista “Época”, 30-12-2011. Ler a entrevista na íntegra clicando aqui
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2 comentários:
Concordo na generalidade com a posição de Umberto Eco e até achei surpreendente que ele reconheça o valor da internet mesmo com todaas as reticências. Não posso, no entanto, concordar com a proposta de criação de um filtro. As redes sociais são uma espécie de democracia do conhecimento e dos relacionamentos, com todos os seus defeitos. Quem, como e com que motivações poderia fazer esta filtragem? Cheira um pouco a propaganda...
Esse senhor é um génio. Obrigado pela partilha
Miguel Silva
http://lutoamanha.blogspot.com/
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