Em
Portugal, o fim do programa “Praça da Alegria” na RTP Porto, e sua
transferência para Lisboa, é uma decisão estúpida e destituída de sentido, que
acaba de ser tomada pelo presidente da RTP, o ex-gestor cervejeiro Alberto da
Ponte.
Produzir
um programa de televisão não é a mesma coisa que produzir cerveja. A produção
de uma cerveja tanto pode ser feita numa fábrica de Lisboa, como numa fábrica
do Porto, de Vila Nova de Famalicão, de Estremoz ou de Santarém.
Independentemente da fábrica e dos trabalhadores, a bebida continua exatamente
igual. Já um programa de televisão deixa de ser o mesmo programa se mudar a
cidade onde é produzido e apresentado. Porque, ao contrário de uma cerveja, um
programa televisivo é formado por pessoas de múltiplas origens, que transmitem
culturas, crenças, interesses e valores que são muito diferentes. É da soma
dessas diferenças que se faz uma região, um País, um povo.
O
programa “Praça da Alegria” foi uma ideia da televisão pública para o Norte, no
tempo em que a cidade do Porto era vista como a capital do trabalho – pois
sediava muitas das maiores empresas da indústria, do comércio e dos serviços. E
tinha, também, alguns dos maiores jornais do País, onde eram formados os
melhores jornalistas portugueses. Foi para satisfazer os anseios e expectativas
do Norte que a RTP lançou o programa “Praça da Alegria”, que se somava ao
serviço de notícias “Jornal da Tarde” – que foi sempre uma visão do mundo com
os olhos do Norte. Dessa emergência do Porto mediático resultava um País mais forte,
mais coeso e mais desenvolvido. Os municípios e as instituições nortenhas que
não tinham acesso à “televisão de Lisboa” tinham na RTP Porto um serviço
público de TV descentralizado que era uma porta de entrada alternativa na casa
de milhões de portugueses.
Nos
últimos 18 anos, o programa “Praça da Alegria” deu seguimento a uma tradição
com quase três décadas (28 anos) de programas da manhã feitos a partir da RTP
Porto, depois de programas como "Bom Dia" ou "Às Dez", que
ocupavam, grosso modo, o mesmo horário, antecedendo o "Jornal da
Tarde", também emitido e coordenado a partir do Porto.
Ora,
o Porto das grandes empresas e dos grandes jornais já não existe. “O Comércio
do Porto” fechou, “O Primeiro de Janeiro” vegeta sem jornalistas e o “Público”,
que já teve uma grande redação no Porto, também está confinado a Lisboa. Aliás,
não há hoje na cidade do Porto um jornal diário que seja totalmente dirigido e
produzido na cidade. O “Jornal de Notícias”, que é o único grande jornal da
cidade, já não tem um departamento comercial autónomo e vai buscar a sua
informação económica ao jornal digital “Dinheiro Vivo”, do mesmo grupo, que é
de Lisboa. Ou seja, a informação económica do “JN” já não tem a visão do Norte,
nem transmite o pulsar da economia real nortenha, mas sim, a visão do
centralismo financeiro falido de Lisboa.
A
RTP, sendo uma empresa pública, deveria refletir sobre isto. Esta visão deve
escapar a Alberto da Ponte, que não tem uma ideia sobre Portugal que se
conheça. E deveria ter, dado o lugar que ocupa. Mais do que nunca, o Porto e o
Norte precisam de um serviço público de televisão forte e produtivo. Mas é
precisamente nesta altura que a RTP resolve abandonar a região, encerrando
também outras delegações.
Para
a maioria daqueles que têm acesso ao espaço público mediático, a questão não
interessa muito. Afinal, estão quase todos em Lisboa. E a mudança da “Praça da
Alegria” para Lisboa acaba por ser mais um palco onde podem aparecer. Daí que
as vozes contrárias estejam muito confinadas aos trabalhadores da RTP, em
particular aqueles que vão perder o seu trabalho em Vila Nova de Gaia.
É
pena que assim seja. Porque estamos perante uma decisão política da maior
gravidade para a coesão e para o desenvolvimento de Portugal, numa fase tão
difícil para todos os portugueses. Uma decisão que não assenta em justificações
de ordem técnico-financeira e que representa um reforço do centralismo. Uma
decisão que significa mais uma facada no povo do Norte, na sua cultura e suas
instituições. Uma facada no património mundial do Porto, de Guimarães, do Douro
Vinhateiro e de Vila Nova de Foz Côa. Porque, sem o programa “Praça da Alegria”
e sem uma RTP Porto forte e ativa, Portugal será ainda um País mais pobre, mais
pequeno, mais desconhecido e mais distante da sua capital e dos centros de
decisão. Um País mais pobre porque um País sem voz e sem acesso aos grandes
meios de comunicação. Daí que o apelo à revolta da região, lançado pelo eurodeputado do PSD Paulo Rangel, naturalmente apoucado pela elite lisboeta, faça todo o sentido (ver aqui).
Os
operadores privados de televisão – que noutros tempos foram atrás da receita da
RTP para a programação das manhãs de segunda a sexta-feira –, estarão,
certamente, atentos a esta retirada da televisão pública portuguesa do Norte do
País. Pode ser que agora descubram o filão nortenho. É um desafio. E uma
oportunidade.
2 comentários:
É uma vergonha!Só dão a perceber que Lisboa é Portugal
As outras televisões não têm estúdios em Lisboa e Porto. Muito menos na Madeira, Açores, etc.
Porque tem a RTP de ter? Eu não sou contra a RTP estar no Porto. Por mim pode estar no Porto ou em Coimbra se isso fizer sentido, mas estar repartida...? Isso fará sentido num pais minúsculo como o nosso?
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