“A Era da Fotografia é também a das revoluções, das contestações, dos atentados, das explosões, em suma, das impaciências, de tudo o que denega o amadurecimento”, diz Roland Barthes, no livro “A Câmara Clara”. Esta fotografia a quatro cores apresenta um cenário de dor, destruição e morte que, no primeiro olhar, nos remete para um teatro de guerra. De facto, vemos um homem abraçando, na zona da cabeça, outro homem que está estendido no chão, aparentemente morto, momentos após um bombardeamento russo, em Gori, na Geórgia, no dia 9 de Agosto de 2008. Os dois homens são irmãos. A fotografia é da autoria do fotojornalista Gleb Garanich, da agência Reuters.
Esta imagem cumpre uma função informativa, pois fornece-nos informações concretas sobre um acontecimento real, testemunhando essa realidade. Em primeiro plano, aparecem dois homens, o que significa ter sido intenção do fotógrafo mostrar o contexto de dor, destruição, perda e sofrimento que passam as pessoas que vivem em ambientes de guerra. Além disso, a imagem retrata apenas civis, o que reforça a mensagem de que as guerras mobilizam e envolvem para além dos Estados e das forças militares. Há a participação, na maioria das vezes involuntária, de civis que, indefesos, são transformados em reféns de campos de batalha.
A dimensão dos corpos estende-se por toda a largura da imagem, ocupando sobretudo a parte inferior da fotografia, vendo-se ao fundo o cenário de destruição numa área edificada, a arder depois de um bombardeamento, que ocupa a parte superior direita da imagem.
Todas as imagens instigam outras imagens mentais. Aliás, uma das funções da imagem é desencadear imagens mentais. As imagens activam a capacidade imaginativa do espectador. As imagens são um território orientado para onde o autor nos quer orientar ou um território disponível para a prospecção de novas imagens. O instante captado por Gleb Garanich mostra a sua preocupação em evidenciar a cena de sofrimento e dor que aquelas pessoas estavam a viver.
A expressão de dor, desolação, impotência e desespero, o sangue (na mão direita de um dos homens e nas suas calças) e os destroços conduzem a nossa mente não apenas para o sofrimento daquele homem que lamentava a morte de outro, mas também para todas as pessoas igualmente afectadas por aquele bombardeamento específico ou por outras situações de destruição e morte provocadas pela guerra na Geórgia.
Outro aspecto a observar é o facto de não existirem mais pessoas dentro do enquadramento. Estamos perante uma fotografia em que o que está dentro do enquadramento é tão importante como aquilo que está fora. O que se vê é moldado por aquilo que não se vê. Ou seja, tendo em conta o fogo e fumo visíveis no edifício habitacional que acabou de ser bombardeado é de admitir que haja outras pessoas em sofrimento que ficaram fora de campo. Isto significa que as imagens não se limitam ao visível, pois têm a ver com o visível, com o intuído e com o invisível. O que fica fora de campo é tão activo como o que é visível.
Ao fotografarmos com a máquina de "cima para baixo" (plano picado) ou de "baixo para cima" (plano contrapicado) temos que nos preocupar com a impressão subjectiva causada por esta visão. Num plano picado, a máquina tende a diminuir o sujeito em relação ao espectador, podendo significar derrota, opressão, submissão ou fraqueza do sujeito; enquanto que o plano contrapicado pode destacar a sua grandeza, a sua força, o seu domínio.
No caso desta fotografia, a câmara situa-se num plano ligeiramente contrapicado em relação ao sujeito da imagem – o homem que está virado para nós, sentado no chão, segurando o pescoço do outro homem –, o que resultou num aumento do volume de imagem ocupado pelos dois homens, que é mesmo superior ao espaço ocupado pelo edifício residencial que aparece no canto superior direito.
Em fotografia, a regra dos três terços consiste em dividir mentalmente a imagem em três partes, na horizontal e na vertical. Esta divisão mental deve ser feita pelo fotógrafo ao olhar pelo visor da câmara. As melhores fotografias são aquelas cujo assunto principal está num dos quatro pontos de intersecção. Porque as intersecções das linhas são os pontos mais interessantes numa fotografia. Nesta perspectiva, a imagem de Gleb Garanich é tecnicamente perfeita. A intersecção superior esquerda aponta-nos a zona mais forte da imagem: o esgar de dor do homem que perde o irmão. As duas intersecções inferiores estão sobre o corpo da vítima mortal, que se encontra deitado. Finalmente, a intersecção superior direita está localizada sobre o edifício residencial alvo do bombardeamento, onde o fogo deflagra. O edifício residencial, que domina o horizonte, é atravessado pela linha horizontal que liga as intersecções superiores, o que permite dar ênfase aos dois homens que aparecem no grande plano.
Numa fotografia, a aplicação da regra do centro da imagem permite colocar o assunto principal no meio do enquadramento. Não é o caso desta imagem, em que o centro coincide com uma zona sem qualquer elemento importante na leitura da imagem (embora próximo da expressão de dor de um dos homens), sendo, curiosamente, um espaço algures a meio entre os dois pontos mais importantes da fotografia.
Há duas grandes linhas de força na imagem. Uma das linhas, aliás, a mais forte, define o alinhamento entre o homem que acaba de perder o irmão e o edifício em chamas onde poderão estar outros mortos. Uma segunda linha – que vai afunilando à medida que se afasta de nós, e que pode ir afunilando até ao fim, até à morte, que está fora de campo –, é a linha que delimita o corpo do homem que está estendido no chão. [FOTOGRAFIA: Gleb Garanich, Agência Reuters, 9 de Agosto de 2008]
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