sexta-feira, 3 de junho de 2011

Dois vídeos, duas visões


Agora que há uma epidemia de vídeos, de fuzileiros a amas, deixem-me relembrar duas histórias recentes de vídeos. Primeiro: duas raparigas agridem outra, um rapaz assiste, filma e oferece o filme ao público. Segundo vídeo: desata um tiroteio no exterior de um jardim-escola mexicano e uma professora, na sala de aula, faz as suas crianças deitarem-se no solo, enquanto as tranquiliza com canções e frases carinhosas e firmes. Há um ponto comum nos dois vídeos: ambos quiseram testemunhar alguma coisa, por isso foram filmados. O rapaz filmou apostando no prazer de vermos a violência, com o acrescento (com que ele contava, e acertou) de curiosidade por sabermos que alguém filma calmamente aquela violência. A professora filmou porque o que lhe sucedia e aos seus, se acabasse mal, não devia ser apagado. O filme do rapaz faz-nos cúmplices. O filme da professora faz-nos depositários. O filme do rapaz é a história da pulhice. O filme da professora é da ressurreição. Agora, façamos contas. Que vídeo mais vimos, de qual mais os jornais procuraram sequelas para fazer render o peixe? Não, não me digam que não se pode comparar o vídeo português com o vídeo mexicano por causa do critério da proximidade. Porque o critério da proximidade entre gente decente deveria, então, privilegiar o vídeo da professora. Se calhar, a razão do sucesso do vídeo do rapaz é não sermos tão decentes quanto pensamos.


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