O jornal “i”, o diário português que é considerado um dos jornais mais inovadores da actualidade, publica na sua edição de hoje um artigo meu sobre os desafios que se colocam ao jornalismo contemporâneo, nestes tempos críticos para as instituições representativas do Estado e dos poderes democráticos. Sob o título "Jornalismo, poderes fácticos e novas censuras", o texto pode ser lido clicando aqui ou nas linhas que se seguem. Boa leitura!
Uma das funções do jornalismo é fiscalizar poderes públicos e privados, assegurando transparência nas relações políticas, económicas e sociais. É por isso que os meios de comunicação social são apontados como “quarto poder”, pois têm a capacidade de manipular a opinião pública, de ditar regras de comportamento e de influenciar nas escolhas dos indivíduos e da própria sociedade.
Um texto noticioso implica uma selecção vocabular e um ordenamento dos factos por influência de múltiplos factores de ordem subjectiva. Os jornalistas, intencionalmente ou não, podem ser vítimas da propaganda ou da desinformação. Mesmo sem errar com dolo, podem dar uma visão parcial dos factos, focando determinados aspectos em detrimento de outros. Como diz Nélson Traquina, no manual “Jornalismo” (2002), a actividade jornalística é uma realidade muito selectiva, construída através dos óculos dos profissionais do jornalismo.
Mário Mesquita, no livro “O Quarto Equívoco – O Poder dos Media na Sociedade Contemporânea” (2003), aborda mitos e realidades do chamado “quarto poder”, começando por identificar uma crise de representação dos poderes do Estado, que se reflecte na diminuição da participação cívica, na prevalência do consumidor sobre o cidadão, e num distanciamento dos eleitores perante os eleitos. A questão é saber se estamos perante um “quarto poder”, orientado pelos órgãos de comunicação e ao serviço dos cidadãos, ou se estamos perante um “quarto equívoco”, telecomandado por poderes fácticos, que influenciam e decidem opções editoriais.
Segundo Mesquita, o poder mediático dissemina informação e institui-se em tribuna de debate, o que deveria incentivar a cidadania. No entanto, agrava a crise, porque facilita a “desintermediação” das instituições representativas, acentua a personalização no exercício dos cargos públicos e, por via da transformação da notícia num espectáculo, contribui para uma atitude de desconfiança social em relação aos poderes legitimados pelo voto, que passam a ser cada vez mais subalternizados por decisões adoptadas em “centros de poder invisíveis”. Assim, o exercício da governação nas democracias contemporâneas é cada vez mais prisioneiro de poderes fácticos de natureza financeira, económica e tecnológica. A globalização, os mercados, a banca e as bolsas são palavras-chave de uma reconfiguração do mundo que coloca em perigo o Estado-Nação, como se observa na actual crise portuguesa e europeia.
Ao mesmo tempo, os “media” tendem a questionar a legitimidade do representante eleito – ao confrontá-lo, em permanência, com factos ou opiniões desfavoráveis –, e a dar palco a figuras com “boa imagem mediática” ou cuja acção provoque o conflito ou o incidente, que pode resultar numa imagem de televisão espectacular. Deste modo, como observa Mário Mesquita, a acção mediático-jornalística pode influenciar, distorcer ou corroer a representatividade política – o que pode acontecer em função do dinheiro disponível, da qualidade da assessoria de comunicação ou do talento teatral dos candidatos.
O director da SIC Notícias, António José Teixeira, numa conferência sobre “A Política e o Poder do Jornalismo”, na Universidade Lusófona de Lisboa (2009), confessou o mesmo pessimismo. “Vivemos uma crise de representação em que o poder político vai ficando refém de teias de poderes não sufragados”, o que, aliado a “um poder mediático tão voluntarioso como impotente”, coloca a democracia em risco. Curiosamente, em 2011, mudou o Governo em dois países europeus (Grécia e Itália), sem que tenha havido eleições…
O jornalista Paul Moreira vai mais longe, no livro “As Novas Censuras – Nos Bastidores da Manipulação da Informação” (2008), onde aborda as múltiplas técnicas de manipulação da informação aplicadas na cadeia do processo noticioso: “Se a verdade for difundida pelos ‘media’, há que controlar o impacte sobre a opinião e tudo fazer para que não seja ouvida e, sobretudo, para que não crie uma emoção popular.”
No tempo da informação instantânea, em que jornalistas, organizações e cidadãos produzem informação, já não se faz censura cortando a frase ou a notícia que não convém à instituição ou ao Governo. Hoje, gere-se a percepção do público. Porque todos nós agimos ou decidimos em função das percepções. Essa gestão é feita pelos especialistas em relações públicas e comunicação política – os “spin doctors”, assim designados nos países anglo-saxónicos. O seu trabalho é justamente “massajar” a mensagem, para que chegue à opinião pública a verdade mais forte. Não interessa o que aconteceu na realidade, mas aquilo que os “media”, como intermediários, dizem que aconteceu. É neste colete-de-forças que vive o jornalismo contemporâneo.
Um comentário:
Parabens caríssimo Luís Paulo Rodrigues por este trabalho e por ter sido considerado "caso de talento" no boletim informativo do Grupo Lusófona de janeiro. Na sequência da informação do boletim fui observar o blog e gostei muito. Prossiga.
Em termos de sugestão, face à capacidade inovadora do Luís Paulo Rodrigues, gostava que trabalhasse com o novo acordo ortográfico.
Um abraço da maior consideração,
António Pena.
Postar um comentário