Jornalismo e espionagem
Há três casos – dois mais recentes e um deles mais antigo – que revelam uma área de potencial conflito de interesses: a do jornalismo e da espionagem. Trata-se, bem entendido, de uma matéria em que se espera uma regulação e uma ética pública exemplares, evitando-se qualquer promiscuidade que – nas democracias abertas mas reguladas – deve ser afastada, sob pena de se descredibilizar ainda mais o sistema político. Refiro-me, concretamente, aos casos do escândalo de espionagem do jornal britânico “News of the World”, da hipotética investigação a um potencial secretário de estado do actual governo PSD-CDS pelos serviços de informações internos (SIS), e à saída em Dezembro do ano passado do director dos serviços de informações externos (SIED) para ir desempenhar funções num grupo empresarial privado. Estes três casos demonstram que o papel dos jornais na investigação e regulação das democracias ainda é – infelizmente – pouco eficiente. No caso britânico – do jornal “News of the World” –, tratou-se de um conjunto de escutas ilegais que abrangeram políticos, membros da família real, celebridades da cultura popular e familiares de vítimas de terrorismo. Estas ilegalidades foram cometidas durante muitos anos e da sua denúncia já resultaram a detenção do ex-director de Comunicação do actual primeiro-ministro britânico, David Cameron, e da editora da News International, que supervisionava as operações do grupo de comunicação do magnata australiano Rupert Murdoch na Grã-Bretanha, proprietário do tablóide que foi encerrado. Entretanto, e perante rumores de subornos pagos a agentes, também o responsável máximo da Scotland Yard se demitiu, no que me parece ser um caso que apelará a reformas profundas no modo como se fiscalizam as escutas nas democracias. Já o caso mais recente em Portugal, da hipotética investigação a um potencial secretário de estado do Governo PSD-CDS pelo SIS, entretanto desmentida pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, tem tanto de bizarro como de preocupante. Trata-se de uma situação com contornos bizarros, pois estamos a falar de uma pessoa que nunca chegou a ocupar qualquer cargo político, embora tenha, naturalmente, o direito de defender a sua reputação e o seu bom nome. Mas trata-se também de um caso preocupante, pois está – uma vez mais – a deixar-se arrastar para um terreno menos claro a reputação do trabalho dos profissionais das informações. No outro caso mais antigo – também ocorrido no nosso País –, é apreciável a descrição a que, depois de uma entrevista ao “Diário de Notícias”, se votou o anterior director do SIED. Mas o problema aqui está mais no processo e não tanto no resultado.
Na verdade, a questão central é que estas situações revelam uma preocupante ausência de regras e de regulação nas fronteiras da relação entre jornalismo e serviços de informações. Por tudo isto, devem ser fiscalizados por poderes independentes quaisquer relações menos claras entre jornalismo, serviços de informações ou outros interesses. Só assim se conseguirá – de forma séria e em benefício do serviço patriótico – a tão desejada abertura das informações à sociedade civil. Uma abertura e uma transparência que são, afinal, um direito de todos. E que até podem tardar, mas que, estou certo, se afirmarão um dia.
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