quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Quando os jornais escondem as boas notícias


Quando um cão morde um homem não é notícia. Mas quando é o homem a morder um cão já estamos perante um facto noticiável. Esta é uma regra prosaica do jornalismo que define o que é uma notícia. E os meios de comunicação portugueses cumprem à risca essa máxima.
As más notícias estão em todo o lado e a todas as horas, muitas vezes, ampliando desmesuradamente uma realidade negativa. Já as boas notícias, aquelas que nos dão contam de bons exemplos da sociedade ou que nos revelam indicadores positivos da economia, para além de serem em número escasso, não são suficientemente valorizadas, diminuindo uma realidade positiva. Com isto, a percepção negativa sobre o estado do País é sempre mais forte.
Uma notícia é destacada nas páginas do jornal segundo o espaço que ocupa, que pode ser grande ou pequeno; segundo a localização, que pode ser boa ou má, de modo a "mostrar" ou "esconder" a notícia; segundo a ilustração, que, havendo ou não, também pode ajudar a destacar ou a esconder a notícia, conforme a intenção do editor ou do jornal; segundo a chamada à primeira página, que pode existir ou não; e por aí fora.
Os factores que definem a dimensão e o impacto público de uma notícia – e, por consequência, a percepção criada pela notícia no público leitor e nos meios que irão difundir ou não essa notícia através de outros dispositivos, nomeadamente a televisão e a Internet – são muito diversos e não se esgotam no conteúdo.
A edição de hoje do “Diário Económico” é bem um exemplo de como o jornalismo pode contribuir para a má percepção que os mercados têm de Portugal e para a má percepção que os portugueses têm de si próprios. O que contribui de modo decisivo para que Portugal seja um País constantemente em crise – uma crise que é pior a cada ano que passa, não se vendo a luz ao fundo do túnel. Porque o sistema mediático, pura e simplesmente, não permite que se veja.
Exemplificando: a primeira página do “Diário Económico” desta terça-feira é dominada por notícias negativas. Eis alguns títulos: “Tribunal de Contas investiga aval de 1,6 mil milhões da Madeira”; “Governo vai agravar custas judiciais para as empresas”; “Nova Autoridade Tributária já vai cobrar impostos em Janeiro”; “Aviação: Mal-entendido faz OGMA perder contrato de manutenção da Força Aérea para a Suíça”; ou “Ascendi e Ferrovial vão receber 717 milhões para ter portagens nas SCUT”.
Quando chegamos às páginas 30 e 31 (Obs. – Clicar na imagem para ampliar), a nossa surpresa não podia ser maior. Afinal, nem só de más notícias se faz a vida económica do País e do mundo. Uma notícia muito pequena, no canto superior direito da página 30, que mal se vê, anuncia que a Louis Vuitton, uma marca internacional de luxo, vai instalar-se em Ponte de Lima “e vai criar 500 postos de trabalho”.
Na mesma página, e com continuação na página seguinte, a notícia principal anuncia que a Starbucks, outra marca internacional, de “coffee-shops”, “planeia entrada no Porto e abertura de mais lojas em Lisboa”, garantindo que “a aposta em Portugal é para crescer”, lá está, “apesar do cenário de crise económica”, como observa o jornal em destaque.
São estes critérios jornalísticos que empurram Portugal ainda mais para o fundo e contribuem para baixar a auto-estima, o optimismo e a criatividade do tecido económico. O tecido económico é formado por pessoas e as pessoas vivem de percepções, no sentido em que decidem em função daquilo que percepcionam.
Dada a situação crítica em que Portugal se encontra, está na altura de os jornais mudarem o paradigma da notícia. Não se trata de passar a esconder as más notícias. Trata-se de valorizar as boas notícias na justa medida da sua importância pública. Com tantas más notícias que são dadas todos os dias, com empresas a fechar, como se vê nas televisões, uma notícia de sentido contrário, como a de uma nova fábrica com 500 postos de trabalho da Louis Vuitton, merecia outro destaque e outro tratamento por parte dos meios de comunicação.

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