quarta-feira, 28 de março de 2012

“O Independente”, segundo Miguel Esteves Cardoso


“[‘O Independente’] era uma coisa moderna, normal. Uma coisa não respeitadora dos respeitinhos, e sem medo. Tinha havido o Estado Novo e a censura. Há esse medo de arreliar uma pessoa, de magoar pessoas, e nós, talvez inconscientemente, talvez irresponsavelmente, não tínhamos medo. E não tínhamos medo de não ser de esquerda. Historicamente, em Portugal, o PSD era ‘social-democrata’, como o Bernstein, era sempre preciso mostrar que se era primo direito ou em terceiro grau do Marx. Não imagina as discussões que havia em 1974. Até o CDS era pela sociedade sem classes. Esse elemento estava muito enraizado na maneira de pensar. E nós queríamos poder dizer que éramos conservadores. Ser conservador não é ser nazi, é querer que as coisas continuem, gostar das coisas como são. E isso era novo.”

“O jornal era um grupo de pessoas, mas a parte cultural era feita por mim e a parte política pelo Paulo [Portas]. O Caderno 3 tinha muitos jornalistas conservadores, mas muitos não o eram, não era importante. Fazíamos aquilo que nos apetecia.”

“O João Bénard escrevia exactamente como queria e com o tamanho que queria. Hoje em dia, não é bem assim. As pessoas compravam o jornal para ler essas pessoas. Sou fã do Vasco Pulido Valente e pensava: ‘Como é que este gajo, que eu lia quando era miúido, agora escreve para mim?’ Era uma idolatria pura, com a Agustina, com a Filomena Mónica, com o Barreto, ter esses colegas. E a fotografia era muito importante, nunca tinha havido fotografias assim. O essencial na relação com os fotógrafos, a Inês Gomnçalves, o Daniel Blaufuks, era podermos dar espaço às fotografias. E com o grafismo do Jorge Colombo podíamos ocupar a página como quiséssemos.”

“O que não se pode substituir nunca é a juventude, a primeira vez. Eu não conhecia o Paulo, o Paulo não me conhecia, éramos dois putos e decidimos: ‘Vamos fazer um jornal.’ Não sabíamos nada de jornais, nunca tínhamos trabalhado em jornais, e isso era excitante, poder fazer tudo, decidir quem é o director. Era maravilhoso, não se consegue reproduzir.”

“O Cavaco [primeiro-ministro entre 1985 e 1995] nunca pôs um processo, nunca chateou, nunca mandou uma carta, mesmo quando foi muito maltratado, foi impecável. E o Mário Crespo também. Essas pessoas com que gozávamos, como o Macário, acabavam sempre por ganhar, porque eram superiores. Com o Torres Couto, quando fomos entrevistá-lo, eu e o Paulo, ele fez pouco de nós, foi superior, respondeu às perguntas, e nós sentimo-nos muito mal. De repente, percebemos que estávamos a ser parvos e ele estava a ser um adulto, foi uma lição.”

Miguel Esteves Cardoso, fundador e primeiro director do jornal “O Independente”, em entrevista ao “Expresso”, 24-03-2012

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